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Um país menos desigual

  • Foto do escritor: José Maria Dias Pereira
    José Maria Dias Pereira
  • há 1 dia
  • 3 min de leitura

Um lorde inglês estava à janela de sua mansão, olhando os verdes campos de sua propriedade que se estendiam a perder de vista, quando o mordomo, olhando o tempo lá fora, exclamou: "Acho que vamos ter chuva, sir"! Ao que o lorde retrucou: "Não, meu caro James (para os membros da elite, os mordomos sempre se chamam James, uma forma de lembrá-los de se colocar no seu lugar), eu terei a minha chuva e você terá a sua chuva!”.


A citação acima foi copiada de um texto de Carlos Heitor Cony, um dos meus cronistas preferidos. Aliás, nesse quesito, o Brasil sempre foi bem servido: Arnaldo Jabor, Nelson Rodrigues, Paulo Francis, Elio Gaspari, Ruy Castro, dentre outros. Cada um com o seu estilo de escrita e uso apropriado de metáforas, o que estimula a inteligência do leitor. Infelizmente, nos tempos atuais isso é muito raro. Não sou daqueles que acham que “uma imagem vale mais do que mil palavras”. A passagem em referência, sem mencionar o assunto (desigualdade social), provoca um sorriso silencioso e crítico que aprisiona o leitor.

 

O tema surge no momento apropriado em que, para poder financiar a isenção do imposto de renda para pessoas que ganham até R$ 5.000,00, o governo terá que buscar outras fontes de financiamento. Porém, dado que são os mais pobres que pagam relativamente mais impostos que os ricos (por isso são chamados de regressivos), existe pouca margem de manobra para corrigir uma injustiça histórica sem diminuir a fração dos ricos na renda nacional. Os tributos indiretos, como ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e ISS (Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza), representam 40,2% da arrecadação total, enquanto aqueles que incidem sobre a renda somam 27,4%....

 

A renda se concentra em uma parcela bem menor da população. Apenas 7,6% das pessoas ocupadas têm rendimentos superiores a cinco salários mínimos — o equivalente a R$ 6.060 em 2022. Os 10% com maiores rendimentos domiciliares per capita (“por cabeça”) recebem 13,4 vezes mais que os 40% mais pobres, a menor diferença registrada, mas ainda alta. A faixa de renda mais comum entre os trabalhadores do país é a de mais de um salário mínimo até dois salários (R$ 1.212,01 e R$ 2.424), que abrange 32,7% da população ocupada.

 

Ao longo dessas três décadas a renda domiciliar per capita aumentou cerca de 70%, enquanto o coeficiente de Gini caiu quase 18% e a taxa de extrema pobreza recuou de 25% para menos de 5%. Os dois percentuais caíram em relação ao Censo de 2010. Naquele ano, 36,4% das pessoas ocupadas recebiam até um salário mínimo por mês, enquanto os rendimentos superiores a cinco salários mínimos estavam concentrados em 9,6% da população.


O Brasil registrou um Índice de Gini de 0,542 em 2022, segundo os dados preliminares do Censo. O Índice de Gini varia de 0 a 1: quanto mais próximo de 0, maior a igualdade. Quanto mais perto de 1, maior a concentração de renda em poucas mãos.

Somando impostos diretos e indiretos, a carga tributária dos 10% mais pobres é 6 pontos percentuais maior que a dos 10% mais ricos, o que evidencia profunda desigualdade. A carga tributária brasileira totaliza 33,0% do PIB...


A lei sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a isenção do IRPF para rendas até R$ 5.000 e o desconto para rendas até R$ 7.350, corrige parte dessas distorções, aliviando a carga tributária sobre os trabalhadores de menor renda, que são os mais penalizados pela defasagem da tabela do IRPF e pela citada regressividade do sistema tributário.


Mais de um terço (35,3%) dos trabalhadores no Brasil recebe até um salário mínimo, apontam dados preliminares do Censo Demográfico de 2022. De 2021 a 2024, houve um crescimento real significativo da renda média e queda da desigualdade, com o país registrando menor nível de pobreza, segundo o Ipea. A renda do trabalho e, para os mais ricos, os dividendos e juros sobre capital próprio (JCP) impulsionam a renda.


Num ambiente político contaminado pela polarização, com o governo sem maioria no Congresso, a iniciativa de financiar a despesa extra com a isenção do IRPF, para surpresa da oposição, recebeu o apoio da população e obrigou a própria oposição a votar a favor da medida nas duas casas do Congresso. A coragem do governo de discutir essa pauta abre caminho para uma “revolução silenciosa” de diminuição da desigualdade social no Brasil.

 

Por José Maria Dias Pereira para o Diário de SMA impresso, de quarta-feira, 10/12/2025

 
 
 

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