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Terra sem lei

Foto do escritor: José Maria Dias PereiraJosé Maria Dias Pereira

“Nem tudo o que reluz é ouro”

William Shakespeare


No final do século XVII, no rastro das expedições paulistas (chamadas “Bandeiras”), organizadas na busca de índios para o cativeiro, ocorreram as primeiras descobertas de ouro, na região onde fica hoje a cidade de Ouro Preto (MG). A esperança de fortuna fácil provocou um grande aumento da imigração espontânea de Portugal, o que antes só era viável se custeado pela Coroa Portuguesa. Como a extração do ouro se dava no leito dos rios (como até hoje, na Amazônia), ao contrário do ciclo econômico anterior (açúcar), permitia que pessoas com parcos recursos pudessem se dedicar a essa atividade, individualmente ou com pouca mão-de-obra escrava. Não foram poucos os portugueses que venderam seus bens para pagar a passagem para vir ao Brasil, naquela época.


O controle de Portugal sobre a extração de ouro, segundo o historiador Caio Prado Jr., era rígido. Havia uma administração especial, chamada Intendência, que se reportava diretamente a Lisboa. O leitor terá uma boa ideia de como funcionava esse sistema se assistir ao filme “Xica da Silva”, de Cacá Diegues. O descobrimento de novas jazidas deveria ser comunicado, sob o risco de severas penas, à Intendência. A Coroa ficava com um “quinto” do ouro descoberto, que era cobrado no chamado dia do “derrame”. Foi na data marcada para arrecadar esse imposto, em 1788, que foi descoberta a conspiração de Tiradentes.


Você acreditaria se alguém lhe dissesse que, mais de dois séculos após a Inconfidência Mineira, a origem do ouro comercializado no Brasil depende da “boa fé” dos comerciantes? Difícil de acreditar, mas a verdade é essa. Enquanto, por um lado, o país assiste, estarrecido, pela TV, o extermínio do povo indígena Yanomami, seja pela expansão do garimpo ilegal nas reservas, seja pelo abandono do governo; por outro lado, descobre-se que o garimpo é uma “terra sem lei”. Não admira que grande parte do nosso ouro seja contrabandeado para outros países!


Segundo o deputado federal Odair Cunha (PT-MG), a única regulamentação que existe é uma Emenda de sua autoria, aprovada pelo Congresso ainda em 2013, no governo Dilma Rousseff. Explicou, numa entrevista pouco convincente, que, até então, não havia nenhum tipo de segurança de origem do metal precioso nas suas fases iniciais (extração e venda), o que trazia insegurança para os compradores. Nesse sentido, atendendo a um pedido da Associação Nacional do Ouro (Anoro), incluiu numa Medida Provisória (MP), que tratava de um outro assunto, a sua Emenda. É o que ficou conhecido entre os políticos como Emenda “jabuti”. Como é sabido, jabuti não sobe em árvores, então, se existe um jaboti dependurado num galho de árvore, é porque alguém o colocou lá!


E o que diz a Emenda do nobre parlamentar? Que é o próprio comprador que atesta a legalidade da origem, ou seja, depende da “boa fé” de cada um. Parece até que vivemos num país povoado de “anjos”! Segundo o próprio deputado, embora apenas as instituições financeiras sejam autorizadas a realizar a compra direta aos produtores, cerca de 35% do ouro produzido no garimpo vem sendo comercializado por empresas não financeiras. Ele culpa a evasão do ouro à falta de fiscalização pelo governo Bolsonaro, mas não explica por que “colocou esse jaboti na árvore”?


Pressionado pela repercussão do caso Yanomamis na imprensa nacional e internacional, o presidente do Senado Federal criou uma comissão externa para estudar a questão. Optou por escolher, entre seus membros, parlamentares do estado de Roraima, palco do conflito. A presidência será exercida pelo Senador Chico Rodrigues (PSB-RR), que ficou conhecido no Brasil inteiro por transportar 33 mil reais na cueca, em outubro de 2020. Especialista no transporte de valores, talvez o nobre senador contribua para descobrir onde o nosso ouro está escondido!


Todas as civilizações indígenas, ricas em ouro, foram exterminadas por seus conquistadores. Como os astecas, no México. O caso dos Yanomamis, no Brasil, vai pelo mesmo caminho. Deixar a situação dos Yanomamis chegar onde chegou, ou mesmo estimular a ocupação ilegal do garimpo, como aconteceu no governo Bolsonaro, é genocídio. Não tem outra palavra para descrever a barbárie melhor do que essa.

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