Por que o golpe fracassou?
Por que o golpe fracassou?
“Às 17 horas da sexta-feira, 13 de dezembro do ano bissexto de 1968, o marechal Arthur da Costa e Silva, com a pressão a 22 por 13, parou de brincar com palavras cruzadas e desceu a escadaria de mármore do Laranjeiras para presidir o Conselho de Segurança Nacional, reunido à grande mesa de jantar do palácio. Começava uma missa negra”.
Assim descreveu o jornalista Elio Gaspari, no segundo dos cinco volumes que compõem a sua extraordinária obra sobre a ditadura militar, a fatídica reunião de nascimento do Ato Institucional nº 5 – a legislação que deu amparo legal aos “anos de chumbo” do regime. O Congresso foi fechado, acabou a liberdade de expressão e o estatuto do habeas corpus foi suspenso.
A partir daí, segundo Gaspari, a ditadura ficou “escancarada”. A repressão apertou o cerco e a esquerda dividida partiu para o “tudo ou nada” da luta armada, com assalto a bancos e sequestro de embaixadores. Um ato desesperado e praticamente suicida diante do poderio militar da ditadura. Mas é fácil julgar hoje, que tantos anos se passaram depois de 21 anos da ditadura. Na época, a guerra fria predominava e a revolução cubana alimentava o sonho do socialismo – canoa no qual embarcaram muitos jovens brasileiros para nunca mais voltar. Os que sobreviveram têm tristes lembranças na memória sobre tortura e mortes para contar, passados 60 do golpe militar de 1964.
Recentemente, mais precisamente em 8 de janeiro de 2023, ocorreu um novo golpe militar. Ao contrário de 1964, porém, este fracassou. Cabe perguntar, por que deu errado? Quais as condições que os conspiradores julgavam haver para armar o golpe agora e não noutra ocasião? Vale lembrar que o país vivia desde 1985, quando deixou o governo o general Figueiredo, uma democracia plena. Há 38 anos, portanto. O que se sabe, até aqui, é que a semente do golpe nasceu na caserna, mas não rendeu frutos por causa da divisão entre militares da ativa e os da reserva. Há que destacar também o papel das instituições civis – em particular, o Supremo Tribunal Federal (STF). Pouco se sabe sobre a participação da classe empresarial, particularmente no financiamento dos atos a favor da ditadura. Deduz-se, por manifestações antes do golpe, de liderança do agronegócio.
Sabe-se que a lei da Anistia, do governo Geisel, perdoou a todos os que participaram de crimes políticos, sejam eles civis ou militares. Não houve nenhuma punição a militares, como ocorreu na Argentina. Isso beneficiou os militares, já que eram a maioria dos envolvidos com tortura e mortes. Foi criada uma “Comissão da Verdade”, que ficou restrita à procura dos corpos dos desaparecidos e indenizações às famílias das vítimas. Mesmo assim, foi o principal ponto de atrito dos militares com Dilma Rousseff, que havia sido torturada pelos militares.
Sob o governo de Bolsonaro, por óbvio, a referida Comissão foi “enterrada”. Lula tampouco parece disposto a “mexer nesse vespeiro”, tanto que proibiu manifestações, a favor ou contra a ditadura, nas dependências de instituições federais. Desde a volta da democracia, as homenagens ao que a direita chama de “Regime Militar” havia ficado restrita aos pátios dos quartéis, no 7 de setembro, data comemorativa da Independência. Bolsonaro inflamou esse cenário ao vincular o patriotismo (simbolizado pela bandeira nacional) à ditadura militar e, valendo-se de mentiras sobre a segurança das urnas eletrônicas, favoreceu a desordem do 8 de janeiro de 2023 – dia que a nossa democracia foi testada.
Pelo que se sabe até hoje, o golpe fracassou porque não houve consenso entre os militares. Aparentemente, os mais envolvidos foram os militares da reserva – muitos inclusive tiveram papel importante na própria ditadura. Os militares da ativa, na sua maioria, são constitucionalistas. Bolsonaro convidou milhares de militares para participar do governo, muitos apenas aumentaram seus rendimentos nesse período, enfraquecendo a máquina administrativa. Outros, estavam completamente despreparados para as funções que estavam exercendo, onde o caso mais notório é o do general Pazuello, hoje deputado federal, e que foi ministro da Saúde durante a pandemia.
Os golpistas esperavam o apoio de todo esse contingente. Mas, na “hora H”, eles “pularam fora”. Só assim dá para entender o palavrão do ex-vice-presidente (Braga Netto) ao ex-comandante do Exército (Freire Gomes). Com certeza, alguns parlamentares também estiveram envolvidos com o golpe, mas eles permanecem nas sombras. Poucos se deram conta da importância da rejeição, pelo STF, da tese de que as Forças Armadas (FA) são “poder moderador”, ou seja, não estão acima dos outros poderes. Aliás, as FA têm apenas o poder (ou dever) de defender a democracia. Creio ser este o saldo do fracassado golpe.
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