Nem a favor, nem contra
Como professor de universidade federal aposentado, não cabe a mim e sim aos docentes em atividade, mais informados para discutir os números da proposta do governo. Como a greve dos professores foi encerrada, acredito que o bom senso prevaleceu dos dois lados e as aulas recomeçarão e tudo voltará ao normal nos campis universitários de todo o país. Melhor assim, vida que segue. Como economista, no entanto, posso comentar os dados apresentados na mesa de negociações. Com uma inflação em 12 meses de 3,69% (IPCA), o reajuste será mais do que o dobro. Lembrando ainda que houve anteriormente reajuste de 9% em 2023. Pela proposta do governo não haveria reajuste em 2024, mas um acréscimo nos salários de 9% em janeiro de 2025 e de 3,5% em janeiro de 2026. Ou seja, de 12,5% no total.
A greve é um instrumento legítimo, mas a leitura que faço hoje, a não ser que seja convencido com argumentos melhores do que os meus, é que uma greve prolongada pode ser um "tiro no pé", considerando a instabilidade política que vive o país, desde o fatídico dia 8 de janeiro de 2023. Não dá para olhar apenas a árvore sem se dar conta da floresta. Parto do princípio de que as reinvindicações são justas, porém tenho dúvida se é o momento certo para pressionar o governo A greve precisa de uma sustentação maior do que simplesmente reajuste salariais. Há mais coisas em jogo e "qualquer desatenção, pode ser a gota d'agua",
Lula venceu as eleições por pequena margem de votos (cerca de 2 milhões, o que é pouco considerando o tamanho do colégio eleitoral). E Bolsonaro continua mais ativo do que nunca. Tem usado o horário nobre do PL na TV para fazer propaganda antecipada de si próprio. Já está em campanha mesmo sendo inelegível (Michelle, por via das dúvidas, também falou em rede nacional). Se não puder concorrer, disse o presidente do PL, também em rede falando pelo partido (Valdemar Costa Neto), o candidato será quem Bolsonaro indicar. Nada como um partido “barriga de aluguel” para bagunçar com a representatividade! A oposição no Congresso é maior do que qualquer governo já enfrentou. E ainda tem os condenados do 8 de janeiro de 2023, que fugiram do país para pedir abrigo para o presidente Javier Milei na Argentina, que não veem a hora de voltar.
Não é pouca coisa para Lula lidar. Sem contar que veio 5 vezes ao RS por causa das enchentes. Mesmo assim ele encontrou tempo para se sentar, por duas vezes com os reitores e defendeu o direito de greve. Coisa que não lembro de jamais ter visto enquanto estive na universidade, mesmo para presidentes ditos de centro-esquerda, como FHC. Bolsonaro nunca conversou com ninguém. Começou o mandato desrespeitando as listas tríplices para reitor e encerrou nomeando os piores ministros da Educação da história. Um deles chamou os ministros do STF de “vagabundos” e o outro foi flagrado com uma arma no aeroporto.
Um professor palestrante numa Assembleia docente, abordou o tema deste artigo da seguinte forma. A greve não estaria enfraquecendo a nossa democracia, ao contrário, isso é uma "narrativa" errada. É exatamente porque "a gente não quer a volta de Bolsonaro" que devemos defender a greve como instrumento de "luta contra a austeridade". A greve é contra a volta do fascismo, finalizou o palestrante.
Engraçado. Que eu saiba, toda greve de funcionários públicos é contra o governo. Não entendo como o enfraquecimento do governo prejudicaria a oposição. Confesso que não encontrei dados ou fatos que comprovem a "austeridade" do atual governo. Ao contrário, Lula tem inclusive divergido de Fernando Haddad, que tenta evitar um rombo maior do orçamento este ano. Daí, inclusive, vem a justificativa de protelar o reajuste dos professores e técnicos para o início do ano que vem.
Quando a minha filha me perguntou se Bolsonaro poderia ganhar as eleições, ainda em 2018, respondi, do alto da minha ignorância política, seguro da resposta, com um rotundo não. Sem chance. Bolsonaro era um "ponto fora da curva", acreditava eu. Hoje, pensaria duas vezes antes de responder.
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