Dentro das 4 linhas
No momento em que escrevo este artigo, passadas 24 horas após serem conhecidos os resultados do 2º turno das eleições presidenciais, o presidente Jair Bolsonaro ainda não reconheceu a vitória de Lula, nem deu o tradicional telefonema, das democracias civilizadas, cumprimentando o vencedor. No pleito de 30 de outubro de 2022, Lula recebeu pouco mais de 60 milhões de votos – a maior votação da história da nossa República – e Bolsonaro em torno de 58 milhões de votos, uma diferença, portanto, de cerca de 2 milhões de votos.
Pode ser que, quando este artigo vier a ser publicado, daqui a 48 horas, isso – a liturgia democrática de respeitar a vontade do povo – já tenha acontecido. Porém, o estrago já foi feito: um bloqueio das estradas federais, da parte de empresários bolsonaristas (não necessariamente caminhoneiros) donos de caminhões, já está acontecendo. Para evitar acontecimentos como esse é que, não existindo possibilidade matemática de êxito, tornou-se praxe o reconhecimento imediato da derrota. Mas parece que isso não vai acontecer, apesar de Bolsonaro ter dito várias vezes que irá respeitar o resultado do pleito, desde que jogado “dentro das 4 linhas” – complemento usado como uma metáfora ao campo de futebol, mas que soa como ameaça.
O presidente dá a entender que, no caso, o campo de futebol seria a própria Constituição. E, na entrevista à saída do último debate, perguntado duas vezes pela repórter da TV Globo se respeitaria o resultado das urnas, Bolsonaro respondeu que sim. “Quem ganhar leva, disse ele”. Na verdade, a própria pergunta não teria razão de ser, a menos que existissem dúvidas a esse respeito. Como, de fato, havia. Não foram poucos os episódios que o Presidente ameaçou o jogo democrático. E, desta vez, parece que não será diferente. O bloqueio das estradas por bolsonaristas golpistas e o silêncio cúmplice de Bolsonaro, já tem precedente em Trump e na invasão do Capitólio.
À medida que o tempo encurtava para chegar ao segundo turno e a sua candidatura não deslanchava nas pesquisas, Bolsonaro entrou no “modo desespero”. Desviou um voo que fazia, de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro, para Brasília, após ter convocado os comandantes militares para uma reunião de emergência. Na reunião, segundo uma fonte, o Presidente propôs que as Forças Armadas decretassem um “estado de alerta”, algo que costuma acontecer em casos excepcionais (como a possibilidade de uma guerra, por exemplo). Os comandantes, pelo que aconteceu a seguir, não compraram a proposta e Bolsonaro ficou isolado. E ainda teve que explicar o inexplicável para a imprensa: não havia emergência nenhuma. Mas foi impossível evitar a desconfiança de que havia cheiro de golpe, mais uma vez.
O pessimismo do comando da campanha de Bolsonaro, à medida que o dia das eleições de segundo turno se aproximava, viria a ser confirmado com a vitória da proposta de Lula. A rigor, Lula apenas na véspera da eleição colocou no papel 13 propostas, no que chamou de “Carta para o Brasil de Amanhã”. Chama a atenção que o número de propostas coincida com o número do Partido dos Trabalhadores, o que sugere mais uma peça publicitária do que um programa propriamente dito. No fundo, Lula ofereceu a seus eleitores a lembrança de um passado de prosperidade da época em que foi presidente (2003-2010).
Quando deixou o poder (em 2010), Lula saiu com uma taxa de aprovação de quase 90% do seu governo; o PIB apresentava crescimento de 7,5% - patamar bastante alto, explicável, em parte, pelo fato de a economia estar saindo da crise financeira global (de 2008); a inflação anual era a metade do que é hoje; houve aumento de 60% do salário-mínimo real e redução da desigualdade social da ordem de 25%. Em contraste, o governo Bolsonaro está chegando ao fim com um PIB projetado de 2% no máximo; não houve aumento real do salário-mínimo nos 4 anos de governo; o Brasil voltou a fazer parte do “mapa da fome” da ONU e o governo Bolsonaro é considerado ruim ou péssimo pela metade dos brasileiros.
Ao comparar as duas gestões, apesar do uso indiscriminado da máquina pública e do despejo de verbas públicas para aumentar o “auxílio-Brasil, subsidiar a gasolina, etc., a maioria do povo, sobretudo os mais pobres, escolheu Lula. E, agora, a sua vontade deve ser respeitada “acima de tudo e de todos”. Bolsonaro deveria saber disso mais do que ninguém, já que essas palavras estavam escritas no seu slogan de campanha. Não há espaço para “golpistas” na democracia brasileira. Isso faz parte do passado. Propositalmente, omiti a palavra Deus usada no slogan de Bolsonaro. Deixo Deus fora da política, pois aprendi, desde cedo, nas aulas de catecismo, que não se deve usar o seu nome em vão.
Comments