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Parlamentarismo de extorsão

Foto do escritor: José Maria Dias PereiraJosé Maria Dias Pereira

Tenho sido provocado, por ser economista, a dar opinião sobre uma suposta falta de competência de Fernando Haddad para ser ministro da Fazenda. Decerto, essa afirmação só pode ser fruto de desinformação e de autoengano, quero dizer com essa última palavra, ser fruto ainda do rescaldo das últimas eleições. Quem não votou no candidato vencedor, busca motivos, reais ou imaginários, para desconfiar do atual governo. Normal, faz parte do regime democrático. Embora, pelas circunstâncias em que Lula chegou ao governo, a situação seja mais preocupante. O PT venceu as eleições porque ganhou, de “lavada”, entre os mais pobres. O problema é que os pobres, paradoxalmente, têm pouca influência nas decisões políticas. Por causa disso, embora a maioria da população seja pobre, suas pautas no Congresso não recebem a mesma importância que as das camadas mais organizadas da sociedade. Os políticos, em geral, só lembram dos pobres na época das eleições.


Após as eleições, em regra, os pobres serão abandonados pelos eleitos. Na prática, os pobres ficarão para trás, perdidos nos discursos das campanhas eleitorais. Os políticos eleitos irão representar a frente parlamentar “disto ou daquilo” ou, simplesmente, “encorpar” o malfadado “Centrão”, que chantageia qualquer governo, independente de ideologia, para liberar Emendas para suas bases eleitorais. Hoje, a governabilidade só acontece porque existe um “balcão de trocas”, com o nome pomposo de “presidencialismo de coalisão”. Neste 3º governo do Lula, porém, a influência do Parlamento chegou ao ápice. Estamos, sem sombra de dúvida, diante de um “parlamentarismo de extorsão"”.


A opinião pública oscila, por influência das redes sociais, num movimento pendular entre a má fé e a ignorância, o que se constitui terreno fértil para a destruição de reputações. Acho que isso explica a resistência ao nome de Haddad para o ministério. Para desfazer qualquer dúvida sobre a capacidade do atual ministro da Fazenda, basta entrar no Google – coisa que qualquer criança faz hoje – e ler na Wikipédia a sua trajetória vitoriosa. Oriundo de uma família de libaneses, cujo pai imigrou para o Brasil após o fim da guerra, Haddad formou-se primeiro em Direito e depois fez o mestrado em Economia e o doutorado em Filosofia, todos pela USP, onde também é professor. Na política, foi prefeito de São Paulo, a maior metrópole do Brasil e, em 2018, mesmo perdendo a eleição presidencial para Bolsonaro, fez mais de 47 milhões de votos. No Executivo, foi ministro da Educação e responsável por programas de democratização do acesso à universidade, como o ProUni, o SISU e a reformulação do FIES e Enem.


O caso Haddad é apenas um exemplo do “negativismo”. Volto à questão principal do artigo, que é o parlamentarismo espúrio ou parlamentarismo de ocasião, que torna o governo refém do Congresso. Para executar o seu programa de governo, Lula precisou fazer algumas reformulações na estrutura dos ministérios. Um tema prioritário na agenda da campanha foi a questão ambiental e, ligado a esta, a situação dos chamados povos originários. Nada mais natural, portanto, que houvesse um fortalecimento no Ministério do Meio Ambiente e a criação do Ministério dos Povos Indígenas. As medidas, dado o caráter de urgência, foram implantadas através de Medida Provisória (MP), cujo prazo está prestes a expirar.


Qual é o ponto que queremos chegar? Ora, não por acaso, esses dois ministérios foram “escolhidos cirurgicamente” e “desidratados” pela oposição. Atendendo a interesses que não são do país, e sim da bancada ruralista, a Comissão Mista do Congresso que analisa a MP 1154/23, simplesmente resolveu modificar a estrutura ministerial proposta por Lula. O relator da MP tomou decisões que não são de sua alçada e passou por cima do Executivo. Ele sabe que, se rejeitar a MP, a estrutura ministerial volta a ser a mesma do governo anterior. Por outro lado, se Lula aceitar as mudanças feitas pelo relator será acusado de traidor da causa ambiental, com repercussões negativas internas e externas.


Como diz o ditado gaúcho, Lula está “no mato sem cachorro”. Sem base parlamentar confiável, não vale a pena arriscar os acordos feitos para votar outras matérias. Cruzar os braços, vai acirrar velhas e novas desavenças com a ministra Marina Silva e será uma perda política muito grande, caso ela abandone o governo (como já fez no passado) nesta fase inicial. Ninguém questiona a projeção internacional da ministra na área ambiental e isso pesa muito. A conversa entre Marina e Lula ficou difícil, desde que o Ibama negou a licença para a Petrobrás explorar petróleo na bacia da foz do rio Amazonas.


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8 de janeiro

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