Conflito de interesses
Até agora, achava que a implicância do ministro da Economia Paulo Guedes com as empregadas domésticas era apenas para agradar o “chefe”. Afinal, Bolsonaro foi o único parlamentar a votar contra a chamada “PEC das domésticas”, que estendia os direitos trabalhistas a essa categoria profissional. Exibindo seu preconceito de classe contra as empregadas domésticas, Guedes disse o seguinte: “O câmbio não está nervoso, mudou. Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo para a Disneylândia, empregada doméstica indo para Disneylândia, uma festa danada. Pera aí”.
Na ocasião, fiquei intrigado: por que o ministro iria querer que o preço do dólar aumentasse? Só por causa das empregadas domésticas, não fazia sentido. O fato é que o real foi a moeda que, dentre os países emergentes, mais se desvalorizou no período pós-pandemia (24%) e, dentre todas as nações, ocupa o 3º lugar. Quem ganha com isso? O agronegócio e a Petrobrás, que exporta petróleo. Quem perde? O povo brasileiro, claro, que consome (ou deixa de consumir) alimentos (carne e outros), gasolina e gás de cozinha, cotados em dólar.
Se você for um banqueiro (Guedes fundou o BTG Pactual), existe uma maneira de não só não ser prejudicado pela alta do dólar como tirar vantagem disso. Graças a uma reportagem da revista Piauí, com base num projeto internacional de jornalistas investigativos (o “Pandora Papers”), o segredo do ministro foi revelado. A Paulo Guedes interessa o dólar alto porque possui uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas (a Dreadnoughts International). Na conta da offshore, aberta numa agência do banco Crédit Suisse, em Nova York, Guedes depositou a quantia de 9,55 milhões de dólares – o equivalente a 23 milhões de reais na época. No câmbio atual, o valor corresponde hoje a 51 milhões de reais.
Verdade seja dita, não foi só Guedes o autor da façanha. Roberto Campos Neto, atual presidente do Banco Central, também tem offshore em paraísos fiscais. Ele é neto do economista Roberto Campos, que foi Ministro do Planejamento após o golpe militar de 1964 (governo Castelo Branco), e que ficou conhecido como Bob Fields devido a sua aproximação com os Estados Unidos. Possuir offshore no exterior não é proibido pela lei brasileira, desde que declarado no imposto de renda. Mas, em se tratando do ministro mais poderoso do governo, é óbvio que estamos diante de um conflito de interesses. Num caso destes, como garantir que o interesse privado não se sobreponha ao interesse público? Claramente, não existe resposta para esta pergunta.
Acho que o julgamento de Paulo Guedes deve ser político e, sobretudo, moral. Com que autoridade moral ele se arvora o direito de dar lições a quem quer que seja? Para ele, o problema da fome pode ser resolvido com as sobras dos alimentos: “Você vê um prato de um [cidadão de] classe média europeu, que já enfrentou duas guerras mundiais, são pratos relativamente pequenos. E os nossos, aqui, fazemos almoços onde às vezes há uma sobra enorme... A ideia seria “transformar” o desperdício e direcioná-lo à programas sociais, para atender “fragilizados, mendigos, desamparados”. Nunca se deve esquecer que Guedes, no início da pandemia (março de 2020), anunciou um auxílio emergencial de R$ 200 por três meses (quantia alterada pelo Congresso para R$ 600). Desafio o ministro milionário a viver um único dia com os seus miseráveis R$ 200!
A demonstração de desapreço pelo funcionalismo público, por parte do ministro, é recorrente. Desde que entrou no governo, persegue o funcionalismo com o fantasma da reforma administrativa que ameaça destruir as carreiras de Estado. É dele a seguinte pérola: “o funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação, além de ter estabilidade na carreira e aposentadoria generosa. O hospedeiro está morrendo, o cara virou um parasita”.
Os alvos preferidos de Paulo Guedes são as empresas estatais. Por ele, já teria privatizado todas. Na sua mais recente investida, mirou a Petrobrás. “Quando o preço do combustível sobe, os mais frágeis estão com dificuldades. E que tal se eu vender um pouco das ações da Petrobras e der para eles esses recursos?”, disse o ministro em entrevista coletiva em Washington. Não é crível que um economista seja capaz de tamanho desvario. É má fé induzir a população a acreditar que o preço da gasolina seria menor se a Petrobrás fosse privada. Aliás o problema da alta da gasolina se dá exatamente porque a Petrobrás é dirigida como se fosse uma empresa privada.
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