Como as democracias morrem
O livro dos professores de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt (Cia. das Letras), lançado nos EUA em 2018, não poderia ser mais oportuno. Seu título, “Como as democracias morrem”, desperta interesse imediato em razão do risco que correm várias democracias, inclusive a brasileira. Apesar de ter sido escrito com base na democracia norte-americana, é impressionante como, à medida que o tema é desenvolvido, identificamos exemplos da realidade brasileira.
Embora as democracias sejam sempre frágeis – e os exemplos são abundantes dessa fraqueza – a democracia norte-americana mantem-se firme. A razão parece estar ligada a características dominantes no país ianque, tais como o respeito à Constituição e às instituições, os ideais de liberdade e igualdade, uma classe média robusta, altos níveis de saúde e educação e um setor empresarial que se identifica com esses valores. No entanto, isso pode estar mudando quando políticos tratam seus adversários como inimigos, tentam intimidar a imprensa livre e ameaçam não respeitar o resultado das eleições. Isso ficou claro quando, em 2016, um outsider (Trump) com pouco compromisso com os direitos constitucionais e com claras tendências autoritárias, foi eleito presidente.
Durante a Guerra Fria, golpes militares foram responsáveis pelo colapso de Estados democráticos. Por causa disso, acostumamo-nos a associar a morte da democracia com homens armados e tanques nas ruas. Mas isso mudou. Hoje, golpes militares são raros. A maioria dos países realiza eleições regulares. A ditadura ostensiva, sob a forma de fascismo ou comunismo, praticamente não existe mais. As democracias ainda morrem, mas por meios diferentes. A maior parte dos colapsos democráticos são provocados por governantes eleitos.
O retrocesso democrático hoje começa nas urnas. No golpe militar clássico, a morte da democracia é imediata e evidente para todos, uma vez que a Constituição é suspensa ou abandonada. Na via eleitoral, a Constituição e outras instituições democráticas permanecem, mas perdem a sua essência. Como não há um momento de visível ruptura, como no golpe militar, a sociedade não percebe quando o regime ultrapassa o limite para a ditadura. É um processo quase imperceptível e muitos continuam ainda a acreditar que estão vivendo sob uma democracia.
Sendo assim, é importante estudar as crises em outras democracias para, ao menos, tentar identificar falsos democratas antes que eles cheguem ao poder. Outra maneira é olhar quais estratégias foram usadas por outras democracias para manter os extremistas fora do poder. Nesse ponto, é importante destacar o papel dos partidos políticos, deixando os que conspiram contra a democracia fora das chapas eleitorais, recusando-se a se aliar a eles ou ainda juntando forças com partidos rivais para apoiar candidatos democráticos – o chamado pacto que, geralmente, é defendido por partidos de centro.
Sinceramente, com mais de 30 partidos políticos no Brasil, é inútil esperar qualquer contribuição significativa da parte deles para barrar futuros autocratas. Em meio a essa confusão de siglas, é fácil alugar um partido político. Bolsonaro que o diga: já passou por quase todos eles. Atualmente sem partido, ainda está em dúvida qual irá alugar para concorrer em 2022. Ideologia é coisa fora de moda, ainda mais com a provável volta das coligações para as próximas eleições.
Uma vez que o aspirante a ditador consegue chegar ao poder, a democracia corre perigo. Ele conseguirá subverter as instituições democráticas ou será contido por elas? É por isso que as instituições (Congresso, Supremo) têm que ser defendidas. Porém, cada instituição deverá cumprir, com independência, o seu papel constitucional. Conchavos entre elas só enfraquecem a democracia. “O paradoxo trágico da via eleitoral para o autoritarismo é que os assassinos da democracia usam as próprias instituições da democracia – gradual, sutil e mesmo legalmente – para matá-la”.
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