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"Campo minado"

Foto do escritor: José Maria Dias PereiraJosé Maria Dias Pereira

Olhando pelos números, Lula está coberto de razão ao reclamar da demora do Banco Central (Bacen) para baixar a taxa de juros básica (SELIC), que serve de referência para todas as operações financeiras. O ápice de crescimento dos preços no país foi em abril do ano passado, quando a inflação acumulada em doze meses ficou em 12,13%. Nesse mês, a SELIC já havia iniciado a sua trajetória de alta, e estava em 11,75%. Em maio, a inflação caiu um pouco (para 11,73%), mas o Bacen subiu a SELIC em mais um ponto percentual (para 12,75%). No mês seguinte, a inflação se manteve estável, mas a SELIC avançou em meio ponto percentual (para 13,25%) para chegar, no mês seguinte à taxa atual (de 13,75%). Observe que, nesse mês (julho de 2022), a inflação dos doze meses (10,07%) entrava em queda livre, passando de dois dígitos para um dígito – até chegar no patamar mais baixo (4,18%) e completar um ciclo de 12 meses, no mês passado.


Diante desses dados indiscutíveis, de refluxo da escalada inflacionária, por que o Banco Central não abaixa a SELIC, como parece ser o óbvio? É porque a força das ideias erradas desafia a própria lógica. Roberto Campos Neto, apesar do termo estar um pouco fora de moda, é um monetarista. Não vou cometer a indiscrição de dizer que herdou esse traço do seu avô Roberto Campos (ministro do Planejamento após o golpe militar, diplomata e político), que era, mesmo sendo de direita, um desenvolvimentista. O que a esquerda o acusava, na época da ditadura militar, era de ser muito pró-americano, o que lhe rendeu o apelido de Bob Fields.


Com muito boa vontade, podemos imaginar que a resistência do Comitê de Política Monetária (COPOM) em baixar os juros se deve ao fato de seus componentes, igualmente monetaristas, acreditarem que estamos vivendo uma inflação de demanda. Aliás, para os monetaristas, chova ou faça sol, toda inflação é sempre de demanda.


O que significa isso? Simplesmente, que a procura por bens e serviços da economia é maior do que a respectiva oferta. Ou seja, há um desequilíbrio do mercado. Ora, pode ser que isso ocorra em alguns setores, por causas específicas, como a falta de matérias-primas importadas (como chips, fertilizantes, alguns alimentos, etc.), mas, de modo nenhum, o desequilíbrio em mercados setoriais pode ser generalizado para toda a economia, caso contrário a inflação que engloba todos os setores (IPCA) não teria se desacelerado.


Esse é o motivo principal para a resistência do COPOM em reduzir a SELIC – que o presidente do Banco Central chama de “razões técnicas”. Em outras palavras, foi o aumento da taxa de juros que “segurou” a alta da inflação e que, como existem ainda “focos de incêndio” (como a alta no preço dos alimentos) presentes em alguns setores, é melhor “não baixar a guarda”. Mas quanto custa essa convicção errada ao país?


Primeiro, é discutível que a política de juros altos tenha uma relação direta com a queda da inflação. Ela não deve ser a única política nesse sentido, pois a pretexto de “curar a febre” pode matar o paciente, isto é, causar recessão e, portanto, aumento do desemprego. Segundo, por que manter a taxa de juros real (descontada a inflação) mais elevada do mundo (de quase 10%) por tanto tempo, quando poderia reduzir a taxa de juros gradualmente, alinhada à queda da inflação? Aliás, embora seja consenso que existe uma relação inversa entre juros e inflação, como saber se o Banco Central não exagerou na dose? Ou seja, o Bacen poderia manter a inflação de “rédeas curtas”, sem a necessidade de ter uma SELIC tão alta como a atual.


É verdade que estamos diante de um processo inflacionário em escala mundial e isso implica em aumento de custos dos insumos, pagos em moeda estrangeira. Taxa de inflação de 8% anual, é algo raro em países como os Estados Unidos, e por isso, recentemente, o Federal Reserve (banco central norte-americano) elevou a taxa de juros anual. Mas, nesse caso, estaríamos diante de uma inflação de custos e não de demanda.


A tese de autonomia do Banco Central é antiga e controversa. Sempre teve o apoio do setor bancário, mas nenhum governo de centro ou de esquerda jamais colocou a ideia em prática antes de Bolsonaro. Na “queda de braços” entre Lula e o Banco Central, fica claro, que o governo perdeu a condição de fazer política monetária que, à sua revelia, é executada por um Comitê de técnicos recrutados dos maiores bancos do país. Lula não demorou a perceber que Bolsonaro sempre atuou no governo como um militar e que, derrotado, fugiu deixando para trás um “campo minado”. Algumas dessas “minas” serão difíceis de desarmar, tais como Banco Central independente, privatização da Eletrobrás, falta de maioria no Congresso, etc.

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8 de janeiro

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