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Argentina: “enxugando gelo”

Foto do escritor: José Maria Dias PereiraJosé Maria Dias Pereira

No início do século XX, a Argentina era um país em plena ascensão social, econômica e política. Às vésperas de Primeira Guerra Mundial, ela era mais comparável às ex-colônias inglesas brancas (Austrália, Canadá e Nova Zelândia) do que aos países latino-americanos. O volume de investimento direto estrangeiro, nessa época, era três vezes superior ao do México ou do Brasil. Em 1913, a renda per-capita argentina era a 13ª do mundo – um pouco superior à da França. Nesse período, a Argentina conseguiu um sólido crescimento industrial, expandindo a produção de bens de consumo duráveis e não-duráveis. Em consequência, ocorreu uma rápida urbanização: o percentual da população que vivia em grandes cidades argentinas era de 31%, enquanto que, no Brasil, correspondia a apenas 10,7%. Os dados são do livro de Jorge Castañeda (Che Guevara, a vida em vermelho, Cia. das Letras).


Ao longo do século XX, a Argentina empobreceu e a inflação disparou. Tem como fazer o país voltar a ser país desenvolvido novamente? Sim, basta achar um “Salvador da Pátria”. Isso já foi tentado antes, mas agora a aposta é alta. Os eleitores resolveram partir para o “tudo ou nada” e votaram em um “outsider” fora dos quadros políticos tradicionais, na mesma linha de Trump e Bolsonaro. A “bola da vez” é Javier Gerardo Milei, economista e deputado argentino, líder da coalizão política de extrema direita (La Libertad Avanza). Foi eleito presidente da Argentina ao derrotar o “peronista” Sergio Massa no segundo turno das eleições presidenciais de 2023, com 55,70% dos votos.


Formado pela Universidade Torcuato Di Tella – uma pequena universidade privada, fundada em 1991, localizada em Buenos Aires, Milei, que se define como um “anarco capitalista”, seja lá o que isso significa, pretende: a) dolarizar a economia argentina; b) fechar o Banco Central; c) tomar de volta a Ilha da Malvinas do domínio inglês; d) sair do Mercosul; e) romper com o Brasil e a China e se aproximar dos Estados Unidos e Israel; f) privatizar a petrolífera YPF, etc. Mesmo uma coisa não tendo nada a ver com outra, Milei é contra o aborto, mas defende a venda de órgãos humanos.


Não havendo espaço para discussão de tantas ideias radicais, vou me limitar à questão da inflação, aparentemente o que mais preocupa os argentinos e que explica a derrota de Massa – que era o ministro da Economia do presidente Alberto Fernández e que foi responsabilizado pelo eleitor por deixar a taxa de inflação anual chegar a 143%. A solução mágica de Milei é “dolarizar” a economia e fechar o Banco Central, instituição que julga responsável pela inflação. Isso já foi tentado antes por outros países, como o Equador, cujo resultado foi aumento da pobreza e baixo crescimento. A teoria por trás dessa visão tem como matriz o economista norte-americano Milton Friedman (da Universidade de Chicago e prêmio Nobel de Economia), idolatrado por Milei, que inclusive prestou homenagem ao célebre economista dando seu nome ao próprio cachorro.


Num pequeno livro, com o sugestivo título “O fim da inflação” (2023), Milei expõe a sua devoção ao economista norte-americano: “o que vivemos é fundamentalmente um problema monetário. Neste contexto, esta tese central alinha-se com Milton Friedman, para quem a inflação é sempre e em todo o lado um fenómeno monetário que é produzido por um excesso de oferta de moeda. [...] Não é que o dólar ou o resto dos preços na economia estejam a subir; O que realmente está acontecendo é que o peso está perdendo valor. O peso seria como uma barra de gelo no meio do deserto do Saara em plena luz do dia: derrete”.


Essa tese monetarista é mais antiga do que andar para trás. Pressupõe que a causa do aumento dos preços (inflação) é “excesso de demanda”, causada basicamente por aumento da oferta monetária (dinheiro) pelo Banco Central. Se fechar o Banco Central, acaba o problema porque não haverá mais emissão de pesos e o dólar, como se sabe, é emitido pelo Tesouro dos Estados Unidos. Com pouca oferta de dólares, os preços caem num primeiro momento. Porém, as importações se tornam mais caras, o que pressiona os preços para cima. O efeito de longo prazo é indeterminado. Porém, uma coisa é certa: o governo não tem mais como financiar seus gastos, via política monetária, o que levará o país à recessão e/ou endividamento. Ao contrário do que disse "Evita", chore pelo Milei Argentina...

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8 de janeiro

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