A primeira pedra
A Vida de Brian é um filme de comédia e sátira britânico, estrelado e escrito pelo grupo de comédia Monty Python. No filme, Brian, nascido em um estábulo na Judeia, depois de crescer, entra para um grupo de oposição aos romanos. A cena de uma mulher pecadora, condenada à morte por apedrejamento, é uma clara sátira às palavras de Jesus Cristo sobre “aqueles que não têm pecados que atirem a primeira pedra”. Não cabe, neste momento de sofrimento e tristeza para aqueles que perderam tudo, condenar quem quer que seja. Mas é preciso cobrar responsabilidades para que a tragédia das enchentes não se repita nunca mais.
Passadas quatro semanas desde o início das enchentes no Rio Grande do Sul, que deixou centenas de mortes, já é possível ter um quadro um pouco mais claro do que não foi feito pelos governos para evitar ou minimizar os impactos do desastre que se abateu sobre o nosso estado. Mas de quem é a responsabilidade pelo quadro atual? O caso de Porto Alegre, pela sua proporção, é o que merece uma maior análise. É claro que devemos começar pela mudança climática, que vem sendo subestimada de forma recorrente pelos sucessivos governadores e prefeitos. Quanto a isso, não se pode culpar ninguém. Mas e a prevenção? A cheia de 2024 não foi um episódio isolado!
Esta enchente foi maior do que a de 1941. Durante 22 dias, nos meses de abril e maio de 1941, as águas do Guaíba alcançaram uma cota de 4,76 metros, enquanto a atual passou de 5 metros, sendo que o limite de vazão é de 3 metros, ou seja, acima disso o rio transborda. O centro da capital gaúcha (e da região metropolitana) ficou debaixo d'água e os barcos se tornaram o principal meio de transporte de Porto Alegre. As águas atingiram cartões postais da cidade como o Mercado Público, a Prefeitura Municipal e a Rua da Praia.
Ou seja, já havia um precedente para a catástrofe de 2024 que simplesmente foi ignorado pelos órgãos responsáveis. Mais grave ainda é que, em setembro do ano passado, houve inundações - como em Lageado, no Vale do Taquari – que não ocorreram em Porto Alegre, porque o volume de chuvas foi mais baixo e o sistema de diques e barragem, que contém as águas do Guaíba para não inundar o centro de Porto Alegre, funcionou. Diante do fato de nada ter sido feito como prevenção, o prefeito de Porto Alegre justificou-se dizendo que a culpa não era só dele e sim também de todos os prefeitos que o antecederam. Como se isso justificasse alguma coisa!
Esse sistema de defesa da cheia do rio foi implantado em 1969/1970 e, de lá para cá, foi se deteriorando pela falta de manutenção. Isso era visível na cheia de 1923, onde se verificou danos nas comportas de contenção, com buracos tapados com sacos de areia. Outro problema foram as restrições no funcionamento de casas de bombeamento, onde apenas 10 das 23 estações estavam funcionando. Elas são responsáveis por jogar a água que está dentro da cidade de volta para o Guaíba. As restrições ocorrem porque as casas de bombeamento são elétricas e, se inundarem, podem colocar em risco a segurança da população.
Reportagem do portal UOL revelou que a prefeitura de Porto Alegre não gastou nenhum centavo em prevenção contra enchentes no ano passado. Também é necessária a modernização das 23 casas de bombas espalhadas pela capital gaúcha. Outro fator negativo é a diminuição de mão de obra do setor responsável na prefeitura. Em 2013, o DMAE tinha 2.108 servidores, número que baixou para 1.738 em 2017 e hoje está em 1.072. A diminuição ocorre mesmo com a incorporação do DEP (Departamento de Esgotos Pluviais) e seus 162 funcionários pelo DMAE, em 2019. O orçamento do órgão também sofreu cortes.
A responsabilidade também deve ficar na conta do governador. Em 2019, ele alterou 480 normas do Código Ambiental do estado. O texto criou vários atalhos para acelerar a concessão de licenças ambientais. Isso, segundo um abaixo assinado de especialistas, facilitou a erosão do solo e queda de barreiras em estradas de vários municípios gaúchos que ficaram isolados. Além disso, houve cortes no orçamento da defesa civil, nos últimos anos: em 2022, o orçamento da área era de R$ 1 milhão; em 2023, passou para R$ 100 mil e, para 2024, foi aprovado apenas R$ 50 mil (UOL). Outra informação (Globo) revela que o RS tem grandes projetos, previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) desde 2012, no governo Dilma Rousseff, que estão atrasados ou que nem saíram do papel.
O voto é a “pedra” do cidadão. Em quem ele irá atirar a primeira pedra?
Comments