Vale Tudo
- José Maria Dias Pereira
- 1 de out.
- 3 min de leitura
Ouvi de um especialista em mídias, outro dia, que está faltando críticos e sobrando comentaristas no país. Concordo com ele. Mesmo diante de situações polêmicas, o roteiro da novela registra os fatos, mas não se posiciona. Assim, todo mundo vira bandido – salvo um ou outro personagem lateral na trama. O que é pior é que, face à complacência da autora da novela, o cidadão brasileiro “normal” tem falta de caráter. Nosso herói é mesmo Macunaíma, do romance de Mário de Andrade – o herói sem nenhum caráter? Pesquisa recente, entre os que veem a novela, demonstrou que apenas 4% desse público concorda que a vilã (Odete Roitman) deveria morrer no final da novela. Isso representa uma inversão total de valores: um mundo povoado de bandidos inteligentes e pobres ingênuos.
“Mas isso é exagero da escritora do roteiro – a realidade é diferente”, alguém poderia argumentar. Será? Basta dar uma olhada nos votos da maioria dos nossos políticos nas últimas semanas para achar vários personagens da novela em Brasília. Vamos a alguns exemplos. A PEC da blindagem (leia-se “bandidagem”) foi aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados por ampla maioria (344 votos, salvo engano). Mesmo cometendo crimes graves, os políticos só poderiam ser processados com autorização expressa dos seus pares. Nesse caso, o voto seria secreto e beneficiaria até os presidentes de partidos sem mandato. O Poder Judiciário, no caso o STF, ficaria refém do Congresso. O tão temido ministro Alexandre de Moraes viraria um “tigre de papel”.
Só que não. Diante das manifestações de rua, ocorridas nas principais cidades do país contra essa PEC, os deputados recuaram. Aliás, o fiasco foi tão grande, que o projeto nem chegou a ser votado no Senado e foi devolvido à Câmara. É incrível o que alguns deputados são capazes de fazer para manter o mandato. Alguns deram as desculpas mais estapafúrdias por terem votado a favor da Emenda e confessaram publicamente o seu arrependimento – a maioria políticos de extrema direita bolsonarista. Um choro com “lágrimas de crocodilo”, incapaz de convencer alguém.
Na propaganda dos Partidos na TV, todos os políticos são um “poço de honestidade’, voltados para a melhoria de vida do nosso povo. Nem a “Velhinha de Taubaté”, personagem icônica de LF. Verissimo, recentemente falecido, acreditaria nisso. O projeto de blindagem dos políticos, trazia também um “jabuti”, isto é, a anistia “ampla e irrestrita” para todos os que participaram da depredação da Praça dos Três Poderes. Ao invés de proteger os “bagrinhos” (as “senhorinhas com a Bíblia debaixo do braço”), o alvo era outro: viabilizar a candidatura de Jair Bolsonaro, atualmente inelegível por decisão do TSE. Também beneficiaria Eduardo Bolsonaro, que atualmente reside nos Estados Unidos e que, provavelmente, será preso caso retorne ao Brasil em razão de sua atuação para prejudicar o país, principalmente as empresas afetadas com o “tarifaço” de Donald Trump. Aliás, surpreende que ele ainda não tenha perdido o seu mandato e continue a receber salário da Câmara. Só pelo número de faltas às votações seria motivo suficiente para perda de mandado. O interesse privado, como quase sempre acontece prevalece sobre o interesse público.
Para quem acha que já viu tudo, reservei para o final o maior absurdo de todos. O projeto “Mais Médicos Especialistas”, recentemente criado pelo Ministério da Saúde, visa melhorar a formação e distribuição de médicos especialistas em regiões prioritárias do Brasil, ampliando o acesso da população à saúde especializada no Sistema Único de Saúde (SUS). O programa foi aprovado pela Câmara dos Deputados, mas não por unanimidade, como seria de se esperar. Não é que seis deputados (cinco do PL, partido de Bolsonaro) resolveram votar contra! Sob que justificativa? Pobre não merece tratamento especializado de saúde?
Um dos que foram contra a Medida Provisória do governo foi o palhaço Tiririca (PL-SP). Foi a piada mais sem graça que ouvi na vida. Ele, um nordestino, supostamente, deveria conhecer a precária situação da saúde naquela região. Talvez, no próximo ano, possa haver uma maior renovação da Câmara. Infelizmente, por causa do poder econômico , da ignorância da população e do perverso estatuto da reeleição, os maus políticos se perpetuam no poder. A composição atual da Câmara foi afetada pelo “efeito Bolsonaro”, onde foram eleitos políticos populistas de extrema direita e sem compromisso com o desenvolvimento do país e que dificultam a própria governabilidade. É preciso punir os maus políticos e não dar-lhes um salvo conduto para cometer crimes: a política não pode ser um “Vale Tudo”, como na novela.
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