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Orçamento secreto

Foto do escritor: José Maria Dias PereiraJosé Maria Dias Pereira

Dentro da Lei Orçamentária Anual (LOA) estão previstas as emendas parlamentares, ou seja, recursos direcionados por deputados para suas bases políticas ou estados de origem, que devem ser usados para investimentos em saúde e educação. Até 2020, a maior parte dos recursos controlados pelo Congresso era usado por meio das emendas individuais, cujos valores são distribuídos igualmente entre os parlamentares e há total transparência na utilização. Já os volumes das emendas do relator-geral eram bem menores. Porém, na elaboração da LOA de 2020, dentro de um contexto político de enfraquecimento do presidente Jair Bolsonaro, ficou decidido o aumento dos volumes das emendas de relator.


O chamado orçamento secreto surgiu com a criação de uma nova modalidade de emendas parlamentares no governo Bolsonaro. Diferentemente das emendas parlamentares individuais, em que cada congressista escolhe para onde vai o dinheiro, no caso das emendas do relator, ele centraliza as demandas dos parlamentares e envia para os ministérios executarem os gastos. Deputados e senadores que não querem aparecer se escondem por trás de “usuários externos”, que funcionam como laranjas. Ou seja: a solicitação é feita por esse usuário, mas o nome do parlamentar continua em segredo. Por que será?


A equipe econômica do governo alertou ao presidente Bolsonaro que o orçamento secreto precisava ser vetado porque “não tem respaldo constitucional”. De fato, da primeira vez que foi apresentado, o presidente vetou; porém o veto foi derrubado no Parlamento. Bolsonaro, refém do “Centrão”, então ignorou o alerta técnico e apresentou projeto de lei que manteve o orçamento secreto. Em 2022, são R$ 16,5 bilhões. Para 2023, o próprio governo projeta R$ 19,4 bilhões. O documento do Ministério da Economia afirma que, além de ferir a Constituição, o orçamento secreto “esvazia a prerrogativa do Poder Executivo de elaborar a proposta orçamentária”, como determina a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), aprovada pelo Congresso em julho.


As principais críticas são a falta de transparência dos gastos públicos e de planejamento no uso dos recursos. Em três anos do chamado orçamento secreto, algumas denúncias foram reveladas pela imprensa, como indícios de compras superfaturadas de equipamentos e manipulação dos números de atendimento pelo SUS para aumentar a fatia das emendas recebidas. Como revelou investigação da revista Piauí, o esquema funcionava da seguinte forma: as prefeituras registravam atendimentos médicos e consultas que nunca existiram, e enchiam o cofre com dinheiro vindo de emendas parlamentares do orçamento secreto.


A operação “Quebra Ossos”, iniciada pela Polícia Federal do Maranhão na semana passada, apura denúncia de fraudes para aumentar de forma irregular repasses do Fundo Municipal de Saúde a municípios. O nome da operação é referência a um dos tipos de exames fantasmas registrados pela prefeitura de Igarapé Grande (MA), as radiografias de dedo de mão. No ano de 2020, o município maranhense disse que fez 12,7 mil exames desse tipo. No entanto, a população total de Igarapé Grande não supera os 11,5 mil habitantes. A medida resultou na elevação do teto para o repasse de recursos de emendas que financiam ações e serviços de educação e saúde nos anos subsequentes. Através de exames e consultas-fantasmas, Igarapé Grande aumentou o teto do orçamento secreto de 3,9 milhões de reais em 2020 para 6,7 milhões de reais em 2021.


Até hoje, quase ninguém tinha ouvido falar de Igarapé Grande, distante 300 km da capital (São Luís). Agora já se sabe, graças ao jornalismo investigativo da revista Piauí, que o pequeno munícipio é também a pioneiro no esquema de fraudes no SUS. Em 2018, os atendimentos de média e alta complexidade na cidade somavam 123 mil. Em 2019, extrapolou para 761 mil. Só as consultas com especialistas bateram na casa dos 385 mil, o que dá uma média anual de 34 consultas por habitante – um padrão que supera o recorde mundial (da Coréia do Sul).


Além de demonstrar que o orçamento secreto favorece a corrupção, é preciso dizer que é inconstitucional também, por não obedecer aos princípios da transparência e impessoalidade, exigidos no trato da coisa pública. Na prática, a proposta orçamentária da União vem sendo elaborada pelo Congresso (leia-se “Centrão”), tornando o Executivo, nomeado pela Constituição para tal fim, um mero executor e incapaz de planejar o que quer que seja. Que presidencialismo sui generis é este em que o presidente eleito não governa?


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