Duas mulheres
Marta Suplicy viveu sua infância e adolescência em uma casa ampla e confortável localizada no Jardim Paulistano. Entre seus passatempos, destacava-se a leitura e a montaria em cavalos. Ela estudou em instituições de ensino da elite paulistana. Em 1964, casou-se com Eduardo Suplicy, proveniente da Família Matarazzo, outra tradicional família de São Paulo, com quem teve três filhos. Marta trabalhou como psicóloga comportamental e sexóloga. Em 1980, passou a apresentar o quadro Comportamento Sexual, na TV Mulher (Globo) que a tornou conhecida em todo o país.
Ao longo de sua carreira política, Marta foi prefeita de São Paulo, deputada federal, ministra de Estado nos governos Lula e Dilma, senadora da República pelo estado de São Paulo, entre outros cargos exercidos. Apesar de ter confirmado sua entrada no PSB, antes mesmo de sair do PT, Marta acabou oficializando sua filiação ao MDB e, ao longo dos últimos nove anos, sua posição passou a convergir mais para o centro e direita do espectro político. No final de 2015, Marta defendeu o impeachment da presidente Dilma Rousseff em um artigo publicado pela Folha de São Paulo. Em 12 de maio de 2016, votou pelo afastamento temporário da presidente e, em agosto, foi favorável à cassação de Dilma.
Na semana passada, ocorreu o ato de refiliação de Marta ao Partido dos Trabalhadores, sendo realizado com a presença de Boulos e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Com a sua volta ao partido, as prévias para vice-prefeito foram descartadas e ela aceitou oficialmente ser a candidata a vice-prefeita na chapa de Boulos. O acordo feito entre PT e Boulos, nas últimas eleições, previa a não apresentação de candidato petista nas próximas eleições, já que Boulos anteriormente havia retirado sua candidatura e apoiado Fernando Haddad para o governo paulista, que acabou sendo derrotado pelo candidato bolsonarista (Tarcísio de Freitas).
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Nascida numa família da classe média, Dilma Rousseff tinha o sangue comunista nas veias. Seu pai, búlgaro que chegara ao Brasil no final dos anos 1930, pertencera ao partido comunista búlgaro e havia prosperado empreitando obras e negociando imóveis em Belo Horizonte. Dilma interessou-se pelo socialismo quando tinha 17 anos. No começo dos anos 1960, todo jovem idealista de esquerda latino-americano desejava viver a aventura de Fidel Castro e Che Guevara, que libertaram Cuba do imperialismo norte-americano, e sonhavam em expandir a revolução socialista para outros países. A morte de Che (executado na Bolívia, em 1967) reforçou o mito e contribuiu para a proliferação de grupos que viam na luta armada a única via possível para enfrentar a ditadura militar.
Logo após o Golpe Militar de 1964, Dilma ingressou na luta armada de esquerda como membro do Comando de Libertação Nacional (COLINA) e, posteriormente, da Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) — ambas as organizações defendiam a luta armada contra a ditadura militar. Passou quase três anos na prisão, de 1970 a 1972, inicialmente detida pelos militares da Operação Bandeirante (OBAN), onde sofreu tortura, e posteriormente encarcerada no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), chefiado pelo temível delegado Fleury.
Segundo companheiros de militância, Dilma teria desenvoltura e grande capacidade de liderança, impondo-se perante homens acostumados a mandar. Aprendeu a lidar com armas e a enfrentar a polícia da ditadura. Apesar disso, não teria participado diretamente das ações armadas, pois era conhecida mais como teórica, infiltrada através de contatos com sindicatos, aulas de marxismo e responsabilidade pela editoração de panfletos e jornais de esquerda. Além disso, o seu conhecimento de inglês facilitava para ela se passar como uma mulher estrangeira e trocar dólares nos bancos, por exemplo.
Dilma Rousseff, reconstruiu sua vida no Rio Grande do Sul junto com Carlos Araújo, seu companheiro por mais de trinta anos. Foi membro fundadora do Partido Democrático Trabalhista (PDT). De 1991 a 1993 foi presidente da Fundação de Economia e Estatística (FEE), instituição em que eu também trabalhei, mas eu já estava na UFSM durante sua gestão. Antes disso, em 1976, Dilma havia sido estagiária da FEE, mas não lembro dela nessa época. Tendo sido expulsa da UFMG fez novo vestibular e formou-se economista na UFRGS.
Em 2001, decidiu filiar-se ao Partido dos Trabalhadores (PT). Ganhou a confiança de Lula e foi sua ministra das Minas e Energia. Com o apoio de Lula, elegeu-se a 36.ª Presidente do Brasil, embora nunca tivesse participado antes de nenhuma eleição. Ganhou fama de antipática, provavelmente por causa de sua falta de habilidade de relacionamento com políticos mais experientes, inclusive com o seus vice-presidente – o principal articulador para o seu afastamento da presidência. Porém exerceu o cargo de 2011 até seu afastamento por um processo de impeachment em 2016, mas não teve seus direitos políticos cassados. Foi inocentada pelo TCU do suposto delito das “pedaladas” fiscais, razão alegada para o impeachment. Atualmente preside o Novo Banco de Desenvolvimento (Banco do BRICS), sediado em Xangai, na China.
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Marta Suplicy e Dilma Rousseff são duas mulheres petistas. Compare a trajetória política de ambas e, cada um, tire suas próprias conclusões. Mas, francamente, não parece que a cúpula do PT está “perdoando” Marta e “escondendo” Dilma. Para ser sincero, devo revelar que nunca entendi bem o que Dilma foi fazer no outro lado do mundo, sendo a influência dos BRICS muito pequena no comércio global. Aliás, alguém já se deu por conta que BRICS é uma sigla inventada por um economista criativo.
Artigo para a coluna do Prof. José Maria Dias Pereira de quarta-feira do “Diário” impresso.
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