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Três décadas em risco

Foto do escritor: José Maria Dias PereiraJosé Maria Dias Pereira

Em ano eleitoral, não tem jeito, o que o povo reclama mesmo é da “carestia” e isso se reflete nas urnas. Inflação controlada, voto a favor do governo. Descontrole da inflação, voto contra. Numa sociedade que prima pela ausência de valores, o mundo real funciona assim. O que vale é o pragmatismo. Discurso político bonito, não leva refeição à mesa.


Quando no governo, no primeiro mandato, Lula tratou de administrar bem a herança deixada por FHC – o Plano Real. Eleito, logo tratou de escrever a tal “carta ao povo brasileiro”, na verdade um compromisso de manter a mesma política econômica de FHC, que era, justamente, a estabilidade de preços. Os programas sociais teriam que esperar até o 2º mandato. Afinal, FHC havia ganho duas eleições no primeiro turno colhendo os louros do fim da inflação. Lula aprendera a lição e sabia que não poderia correr o risco de colocar tudo a perder.


Após deixar o governo (em 2010), com mais de 80% de aprovação popular, Lula foi sucedido por Dilma Rousseff que chegou ao final do 1º mandato atravessando grave crise fiscal e política. Ambas as crises se entrelaçaram e Dilma, apesar de reeleita, não conseguiu completar o mandato. Jogo jogado. Dilma ficou no passado e Lula surfa na onda do controle da inflação e emprego dos seus dois governos para liderar as pesquisas. As condenações da “Lava Jato”, que lhe renderam a prisão, foram invalidadas pelo STF. Seu algoz (o ex-juiz Sérgio Moro) foi julgado “parcial” pelo STF e não deu certo a tentativa de emplacar uma “terceira via”. Alguém, lá atrás, acreditaria que Lula iria virar o jogo?


Apesar de ficar para a história como o pior governo de todos no período pós-ditatura, Bolsonaro provavelmente será derrotado justamente por aquilo que mais se vangloria: “não entender nada de economia”. A julgar pelo que diz, subentende-se que considera a economia um assunto sem importância e nada fez diante dos sinais de descontrole da inflação. Diante disso, não deveria causar surpresa a inflação do mês de março, que, segundo o índice oficial de inflação (IPCA), foi de1,62%, a maior taxa desde a criação do Plano Real (1994). No acumulado de 12 meses, a taxa de inflação ficou em 11,30%.


Em resumo, Bolsonaro jogou fora quase três décadas de esforço de controle da inflação. É claro que há atenuantes: a alta dos preços não é fenômeno exclusivamente brasileiro (os EUA têm uma inflação de 7% em 12 meses); tem a pandemia; o aumento do preço das commodities, que encarece o preço dos alimentos; assim como a alta do dólar e, recentemente, a invasão da Ucrânia, que elevou o preço dos insumos e fertilizantes agrícolas. Tudo isso é verdade, mas não muda nada. Para o eleitor médio, a culpa pela inflação é sempre do governo. Segundo pesquisa do Datafolha, realizada no final do mês de março, 75% dos brasileiros responsabilizavam o governo Bolsonaro pela volta da inflação.


A inflação é o pior imposto de todos, porque atinge principalmente os mais pobres. O próprio governo lucra com a inflação porque a receita é reajustada, mas a despesa não. Essa é a causa da volta do superávit primário (receita maior que a despesa, sem considerar os juros da dívida). Para que serve o superávit primário? Para pagar os juros dos detentores de capital: a taxa básica de juros (Selic), em poucos meses, passou de 2% para 11,75% ao ano. O único instrumento que o Banco Central (BC) tem para combater a inflação é a política monetária e, pelo visto, não está dando muito certo. Não será surpresa se os juros voltarem a subir na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do BC. Quanto mais aumenta os juros, maior é o custo da dívida pública, hoje no patamar de 80% do PIB.


O que mais poderia ser feito para combater a inflação? Poderia ser usada também a política fiscal, mas, em ano eleitoral e fim de mandato, cortar gastos ou aumentar imposto soa, para os políticos, como uma heresia. Os próximos meses, para eles, vão ser uma festa: irão “torrar”, nas campanhas milionárias, os 5 bilhões de reais do fundo eleitoral que foram mais que duplicados, por eles mesmos. A maioria de nossos políticos vive num mundo à parte, onde a inflação não existe. Enquanto o povo ...


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