O voo da Fênix
Atualizado: 30 de dez. de 2022
Luiz Ignácio Lula da Silva é o sujeito certo no quadro de incertezas que o país (e o mundo) está vivendo? A pergunta, vinda de alguém que não tem um lado determinado, ou seja, não é nem petista, nem bolsonarista declarado, é de difícil resposta. Um cético diria, quase com certeza, que Lula “é o que temos para o momento” para derrotar a extrema-direita. A afirmação, longe de ser uma crítica a Lula, é um elogio. Sem Lula, possivelmente, Bolsonaro teria vencido as eleições e, como ameaçou várias vezes, seu desejo era dar um golpe em si mesmo e governar numa ditadura militar. Seu plano, porém, só não deu certo devido à popularidade de Lula. Mesmo assim, Lula venceu as eleições por uma diferença de pouco mais de 2 milhões de votos, o que prova a importância de Lula neste momento crucial da história do país.
Esse é o ponto principal em relação a Lula. Do resto, podemos divergir em quase tudo. Mas, de uma coisa tenho certeza, Lula passará aos livros de história, a serem escritos no futuro, como o mais próximo que tivemos de um estadista. Com três mandatos, Lula se equipara a Getúlio Vargas, mas a comparação é imprópria porque Vargas governou como ditador durante o Estado Novo. Além disso, Vargas se suicidou e Lula, aos 76 anos, parece ter vitalidade para aproveitar a vida por longo tempo. Mas ambos têm um ponto em comum: a preocupação com os pobres. Tanto é que o salário-mínimo foi criado por Vargas e o Bolsa-Família, por Lula.
Não sei se dá para continuar a procurar um estadista em Lula, em analogia a Getúlio Vargas – embora a maioria dos políticos brasileiros assim considere este último. É fato o perfil autoritário de Vargas, sobretudo na perseguição aos comunistas, o que o levou, inclusive, a entregar aos nazistas a mulher de Luiz Carlos Prestes (Olga Benário). Também é inegável a influência do segundo governo Vargas no desenvolvimento da indústria nacional, no início dos anos 1950. Lula também teve um bom momento, sobretudo no segundo mandato, com elevação da taxa de crescimento do PIB e alta popularidade. Aliás, foi esse o capital político que Lula ofereceu aos que votaram nele nas últimas eleições.
Lula tem o seu “calcanhar de Aquiles” na Operação Lava-Jato que, inclusive, resultou na sua prisão por 580 dias, em regime fechado, na sede da Polícia Federal (PF), em Curitiba.
Os dados apresentados à Justiça, até aqui, revelam que todo o processo foi uma farsa. Nada ficou provado em relação à propriedade de Lula do tal apto. triplex no Guarujá, e de ilegalidade na compra do terreno da sede do Instituto que leva o seu nome ou das reformas, feitas por construtoras, no sítio de Atibaia, no interior paulista. Muitas outras narrativas contra ele foram inventadas por delatores para fugir da prisão, onde o caso mais notório é o do ex-ministro Palocci. No final, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), todos os processos contra Lula, em Curitiba, foram transferidos para Brasília.
Outra decisão do STF, que beneficiou Lula, foi o fim da prisão de condenado em 2ª instância – usada para tirar Lula das eleições de 2018, então líder em todas as pesquisas de voto. Revogada a lei, alguém só pode ser preso, esgotados todos os recursos (como prevê a Constituição). Essa decisão, há tempos postergada pelo STF, recolocava Lula no jogo eleitoral de 2022. A mudança de fórum para Brasília e o fim da prisão em 2ª instância implicavam na soltura imediata de Lula.
Paralelamente, a chamada Operação Lava-Jato revelava-se, após o vazamento de conversas suspeitas entre os procuradores e o juiz encarregado do caso (Sérgio Moro), pelo site The Intercept Brasil, frágil. Ato seguinte, o próprio juiz foi desmoralizado pelo julgamento do STF, que o considerou “parcial”, anulando eventuais provas, de modo que os processos voltaram à estaca zero e, hoje, foram arquivados ou anulados. Finalmente, o terreno estava livre para Lula concorrer à presidência novamente.
O erro da Justiça, em relação à Lula, foi reparado. Mas e quanto à Dilma Rousseff, que sequer foi acusada, formalmente, de nada? As “pedaladas” (antecipação de receita com uso de dinheiro dos bancos públicos) foram corrigidas após denúncia do TCU e nunca tiveram a importância que a grande mídia “lava-jatista” lhe atribuiu, na época. Hoje, parecem “brincadeira de criança”, face ao “estouro” do teto de gastos pelo governo Bolsonaro. Com a distância que o tempo permite, a tese do “golpe”, defendida por petistas, não pode ser tratada como mais uma “teoria da conspiração”. Por essa tese, o afastamento de Dilma foi uma etapa de um projeto de poder da direita, que visava acabar com a hegemonia petista e, para isso, precisava tirar Lula do jogo.
Recentemente, o jornal Folha de SP, seguindo o exemplo de um jornal norte-americano, perguntou a alguns intelectuais se não queriam escrever um artigo sobre algo que tinham errado, no passado. Destaco aqui o texto do Demétrio Magnoli, que admitiu não ter ponderado bem os prós e os contras do impeachment da Dilma. Ainda que ela governasse cometendo os mesmos erros do final do 1º mandato, ainda assim, segundo ele, era preferível deixar que ela fosse até o final do 2º mandato, do que lhe tirar um mandato, dado pelo povo, com o impeachment, ou seja, a pena foi desproporcional e ainda trouxe, como consequência, o governo Bolsonaro, que foi refém do “Centrão”. Muita gente boa “embarcou nessa canoa furada e afundou”. Este foi o caso, inclusive, do próprio PSDB, um partido de centro, cujo apoio foi fundamental para aprovação do impeachment e que, hoje, encolheu e está ameaçado de extinção.
Como na lenda da Fênix, Lula renasceu das cinzas após sua inexorável morte política. Quando ninguém mais acreditava, o milagre aconteceu: ele saiu da prisão, por uma porta, e entrou para a presidência, por outra. Você pode não gostar do Lula. É direito seu. Porém, numa coisa terá que concordar. Lula é mesmo um sujeito com “santo muito forte”. Mas, como nada acontece por acaso. Em troca, Lula terá de cumprir a promessa de acabar com a fome e diminuir a pobreza. Só assim a reviravolta pessoal e política da vida de Lula fará sentido.
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