O preço dos combustíveis
Os parágrafos a seguir dão exemplos de declarações feitas, por ignorância ou oportunismo, pelos políticos que ocupam os mais altos cargos da Nação, para transferir responsabilidade e enganar o povo. Essas manifestações foram proferidas no dia 17 de junho, logo após novo aumento no preço dos combustíveis anunciado pela Petrobrás, de 14,3% para o diesel e de 5,2% para a gasolina (o gás de cozinha não foi reajustado). Foi um “balde de água fria” para as pretensões do governo, que vinha “costurando” com o Congresso um plano para baixar o preço dos combustíveis, às custas da redução do ICMS dos Estados.
Numa declaração irresponsável, e como se não tivesse nada a ver com isso (embora se saiba que o governo é o controlador da petroleira), Bolsonaro disse o seguinte: “A Petrobrás pode mergulhar o Brasil num caos. Seu presidente, diretores e conselheiros bem sabem do que aconteceu com a greve dos caminhoneiros em 2018, e as consequências nefastas para a economia do Brasil e a vida do nosso povo”. Nesse mesmo dia, a Petrobrás perdeu cerca de 7% do seu valor de mercado e se aproximou da perda de 10% ao longo do pregão diário, impondo grandes prejuízos aos acionistas minoritários.
A outra manifestação, totalmente descabida, foi a do presidente da Câmara (Arthur Lira), que culpou o presidente da empresa pela alta no preço dos combustíveis. O presidente da Petrobras, disse ele, “tem que renunciar imediatamente. Não por vontade pessoal minha, mas porque não representa o acionista majoritário da empresa - o Brasil - e, pior, trabalha sistematicamente contra o povo brasileiro na pior crise do país. Ele só representa a si mesmo e o que faz deixará um legado de destruição para a empresa, para o país e para o povo. Saia!!!”. Ele se referia a José Mauro Ferreira Coelho, que, efetivamente, pediu demissão quatro dias depois do pedido de renúncia de Lira. Em seu lugar, foi escolhido Caio Paes de Andrade, afilhado político de Paulo Guedes, que não tem experiência no mercado de óleo e gás. Para tomar posse, entretanto, o escolhido ainda depende de parecer do Comitê de Pessoas e aprovação pelo Conselho de Administração da estatal. Andrade será o quarto presidente da Petrobrás no governo Bolsonaro.
Você concorda que a Petrobrás “pode mergulhar o país num caos” ou que o (presidente da empresa) “trabalha contra o povo brasileiro”? Acho que nem o meu neto de um ano e meio acredita nisso! São bobagens ditas por quem não sabe do que está falando. O preço dos combustíveis depende do preço do petróleo no mercado internacional (que está muito alto, atualmente). É o que se chama de Paridade de Preços Internacionais. Em tese, a Petrobrás pode vender petróleo nos mercados interno e externo. Como qualquer empresa (a Petrobrás é uma empresa de economia mista, cuja maioria do capital é privado), ela vai vender onde obtiver maior lucro, de modo a recompensar o investimento dos seus acionistas (inclusive o governo, que recebe polpudos dividendos da Petrobrás).
A Petrobrás pode vender combustíveis a um preço menor no mercado interno? Pode, desde que alguém cubra a diferença. Isso se chama subsídio e já foi feito por governos anteriores. Porém, esse subsídio sai dos cofres públicos (ou seja, do bolso do contribuinte). Se não houver uma compensação, a Petrobrás começa a ter prejuízo porque vai pagar mais pela importação (de diesel e gasolina) do que o valor que exporta (petróleo bruto). Junto com isso, várias empresas privadas que importam derivados para vender no mercado interno poderiam “quebrar” e haver falta de diesel no mercado. Imagine o caos que seria se isso ocorresse num país, como o nosso, que depende quase totalmente do transporte rodoviário.
Além do preço da refinaria (40% da composição do preço da gasolina), pesa bastante o ICMS estadual (25%, dependendo da alíquota, que pode chegar até 30%). Despesas importantes dos Estados (como a educação) estão atreladas ao ICMS. Estacionado nas pesquisas eleitorais, sem conseguir “descolar” o “Auxílio Brasil” do “Bolsa Família”, Bolsonaro conseguiu passar no Congresso – sempre com o apoio do “Centrão” – o teto de 17% para o ICMS, zerar impostos federais sobre o diesel e gás, além cobrir o prejuízo, até o fim do ano, dos Estados que zerarem o ICMS do diesel. O governo estima que isso irá custar R$ 50 bilhões aos cofres públicos, mas o valor possivelmente está subestimado. Porém, tudo desmoronou como um castelo de cartas com o último reajuste dos combustíveis pela Petrobrás, que, diga-se de passagem, vinha “segurando” esse aumento há meses e operava com preços defasados em dólar. Isso foi o que provocou a ira de Bolsonaro e Lira.
Não há saída, a curto prazo, para a situação atual de alta dos combustíveis. Caso o cenário internacional não mude, uma diminuição, não casuística, do preço dependerá de reformas estruturais (como a construção de refinarias), que diminuam a dependência do Brasil do diesel importado (que corresponde a cerca de 30% da oferta). Incapaz de enxercar além do que aponta o nariz, Bolsonaro inventa factoides – como a proposta, anunciada a líderes partidários, de criação de uma CPI para investigar a Petrobras, seus diretores e membros do Conselho de Administração. Foi um espetacular “tiro no pé”. A proposta logo ganhou adeptos entre políticos da oposição. Uma CPI, a três meses da eleição, só serviria para maior desgaste do governo. Que eu saiba, esta é a primeira vez que um presidente faz oposição a si próprio.
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