O Acordo Mercosul e União Europeia
"Estamos criando uma das maiores áreas de comércio do mundo, reunindo mais de 700 milhões de pessoas” (presidente Lula)
Quando quase ninguém mais esperava, eis que, passados 25 anos de idas e vindas, parece que finalmente o Acordo Mercosul-União Europeia (UE) vai se tornar realidade. Não é coisa para amanhã, claro. Ainda tem que passar pela burocracia e possível boicote de países contrariados, sobretudo nações de agricultura forte, que sofrerão perdas com a queda de tarifas e também pela maior produtividade do agronegócio brasileiro. Este é o caso do governo francês, que se opõe à assinatura do Acordo por temor à reação negativa dos agricultores franceses que, em outras ocasiões, protestaram bloqueando estradas com máquinas e jogando alimentos fora para pressionar o governo a não aceitar o acordo da UE.
Na semana passada, a expectativa era de que a presidente da Comissão Europeia, órgão executivo do bloco, Ursula von der Leyen, que tem autoridade para assinar um Acordo preliminar, sequer viesse para o Encontro do Mercosul, em Montevidéu, no Uruguai. Foi, portanto, surpresa quando ela chegou ao evento e deu entrevistas antecipando a sua posição favorável ao fechamento do Acordo.
Após a aprovação preliminar da presidente da Comissão europeia, o texto final então é submetido ao Conselho da UE, onde o governo de cada país do bloco tem direito a um voto. Nessa fase, o acordo comercial precisa da aprovação de pelo menos 15 dos 27 Estados-membros (55% dos países) e de países que representem, no mínimo, 65% da população do bloco. Aprovado pelo Conselho, o texto segue para o Parlamento Europeu, onde uma maioria simples dos eurodeputados é suficiente para sua aprovação. Depois de aprovado pelo Parlamento, o Acordo entra em vigor, sem necessidade de aprovação pelos parlamentos ou governo nacionais.
Vale lembrar que o processo é válido apenas para Acordos exclusivamente comerciais, que são de competência da União Europeia. A França e outros países contrários ao tratado argumentam que Ursula von der Leyen tem um mandato para negociar um Acordo misto, o que inclui cooperação política, e não um Acordo puramente comercial. A cooperação política é de competência compartilhada entre a União Europeia e seus Estados-membros. Nesse caso, basta o veto de um país no Conselho Europeu para barrar a assinatura do Acordo.
Foram necessários uma guerra, uma ameaça protecionista, o avanço da extrema direita e um abalo geopolítico gerado pela China para que um acordo, “costurado” há mais de duas décadas, finalmente saísse da “gaveta”. Se os europeus, por décadas, se recusaram a aceitar uma abertura mais ousada aos produtos do Mercosul por que aceitaram agora? Primeiro, porque a guerra na Ucrânia mostrou a vulnerabilidade do abastecimento de alimentos do continente europeu, mesmo ele sendo um importante produtor. Segundo, por que ficou claro o risco protecionista que a vitória de Donald Trump nas eleições norte-americanas poderia trazer ao comércio mundial. Trump prometeu aplicar tarifas contra a China, os BRICs e até aos próprios aliados europeus. É a isso que ele chama “fazer a América grande outra vez”.
Diante dessa transformação geopolítica, tanto os sul-americanos como os europeus cederam e aceitaram pontos antes considerados "inaceitáveis". A UE é o segundo principal parceiro comercial do Brasil, com um fluxo de comércio de US$ 92 bilhões (R$ 552 bilhões, na cotação atual do dólar) em 2023. O efeito positivo estimado alcança 0,34% do PIB até 2044, ou seja, um acréscimo de R$ 37 bilhões na soma de bens e serviços finais produzidos no Brasil.
O encontro em Montevidéu dos chefes de Estado fundadores do Mercosul e a presidente da Comissão Europeia, ainda que tenha um longo caminho a percorrer, foi muito melhor do que o esperado. Lula, defensor histórico do Mercosul, saiu fortalecido da reunião, assim como o novo presidente uruguaio, recém eleito por uma frente de esquerda. Como se diz no futebol, “Jogo jogado”, isto é, certo de que a partida estava ganha, Lula foi visitar o amigo e ex-presidente uruguaio, José Mugica (Pepe), que se encontra doente. Levou debaixo do braço e entregou a ele a "Ordem do Cruzeiro do Sul", maior condecoração do Brasil, numa solenidade tão simples quanto o homenageado. Vexame para Javier Milei, presidente da Argentina, que teve que assinar o Acordo, contra a sua vontade, já que não podia correr o risco de deixar o seu país fora do principal mercado mundial. Teve que se contentar com um discurso pífio contra o Mercosul.
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