O último Ato (Epílogo)
"Os cães ladram e a caravana passa.”
(ditado popular árabe)
Dá-se o nome de Epílogo ao último Ato de uma peça teatral, que alude ao destino dos personagens mais importantes da trama depois de ocorrido o desenlace ou revela fatos posteriores à ação. Mesmo que a maioria dos expectadores tenha se dado conta que a peça em questão se tratava de uma farsa, o ator principal insiste em não abandonar o palco, enquanto uma pequena parte da plateia começa a destruir o teatro sob o olhar conivente dos seguranças.
Esta metáfora parece apropriada para ilustrar uma situação em que as pessoas não compreendem a realidade, após a ocorrência de um evento não esperado. O que acontece na mente de cada um é o tema do escritor tcheco Franz Kafka, no famoso livro “O Processo”, que conta o sofrimento do personagem Joseph K que, numa bela manhã, foi preso sem saber por que. “Alguém deve ter contado mentiras a seu respeito”, pensa ele, mas ninguém lhe dá essa informação. A partir daí, o livro se transforma em um quebra-cabeças em que as peças não se encaixam.
Hoje, só consigo entender a negação da aceitação do resultado das urnas das últimas eleições, por um grupo de bolsonaristas fanáticos, mergulhando na mente de milhares de Josep k, caso vivessem uma situação semelhante. Aliás, deveriam ser presos como o personagem, embora este último não tenha praticado crime nenhum – o que não é o caso dos que bloqueiam estradas e acampam na frente dos quartéis, como “vivandeiras” a clamar pela volta da ditadura militar.
O que fazer para trazer para o mundo real esse grupo de pessoas que vive uma realidade paralela? Nada a ver com direitos garantidos na Constituição, numa clara inversão de valores, que é usada pelos comandantes para justificar o consentimento dos militares às manifestações antidemocráticas à frente dos quartéis. Liberdade de manifestação sim, mas para pautas democráticas. Pregar à destruição da democracia, não. Isso é crime e deve ser punido. Ou será que os ricos, que financiam esses atos criminosos, estão sujeitos a outra Justiça? Se fosse greve, passeata de estudantes ou de negros contra o racismo, a tolerância em frente aos quartéis seria a mesma?
Voltemos à metáfora do teatro. Depois de 20 dias sem fazer absolutamente nada, e ainda inconformado por perder o papel principal, o nosso ator ensaia para o último Ato da peça. Sabe que não conseguirá manter os seus fãs alheios à realidade por muito tempo, e então precisa criar um factoide para se manter nas manchetes. Prefere o anonimato e confia para alguém “terrivelmente desonesto” (condenado do “mensalão”) a tarefa de traze-lo novamente ao palco, arranjando algum pretexto banal.
Nem vale a pena tentar explicar o falacioso argumento, subscrito por uma Consultoria privada, sobre a possibilidade de fraude das urnas eletrônicas. O documento apresentado ao juiz tinha um vício de origem: nada falava sobre o primeiro turno da eleição, que tinha usado as mesmas urnas do segundo turno, para a escolha dos 99 coadjuvantes. Estava visível tratar-se de um golpe para burlar o resultado da eleição do segundo turno. Muito esperto, o juiz pediu provas da fraude com a inclusão de dados do primeiro turno. Como não foram apresentadas, o juiz deu “xeque-mate” e ainda multou o autor da falsa denúncia.
Terá sido este o Epílogo da tragédia encenada pelo ator principal nos últimos quatro anos? Provavelmente, não. Pouco importa. O certo é que, em breve, uma outra peça entrará em cartaz. Já tem até outro ator principal escolhido. Oxalá, doravante, apenas peças a favor da democracia sejam apresentadas. Caso em que o nosso ator, dublê de ditador, jamais terá um papel para representar.
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