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Conceição Tavares, símbolo de uma geração

Foto do escritor: José Maria Dias PereiraJosé Maria Dias Pereira

Atualizado: 23 de jun. de 2024

Morreu, no último sábado, 8 de junho de 2024, aos 94 anos, a economista Maria da Conceição Tavares. Possivelmente, quem não viveu o período de hiperinflação brasileira e os Planos de combate à alta de preços - especialmente o Plano Cruzado (1986) - não irá se lembrar dela. Emotiva, Conceição chorou ao participar do lançamento do Cruzado, no governo de José Sarney. Como é sabido, o Plano fracassou, mas Conceição ficou popular. Virou personagem no humorístico “A Escolinha do Prof. Raimundo”, de Chico Anysio. A fama, no entanto, viria de uma característica pessoal de Conceição: a falta de paciência.  Vídeos de suas aulas “viralizaram” no YouTube. Não tinha paciência para perguntas redundantes ou óbvias. 


Tampouco Conceição se preocupava com o que era “politicamente correto”. Fumava ostensivamente em qualquer ambiente e, não raro, usava palavrões. Típico de quem frequenta um ambiente masculino. Às vezes chegava a ser agressiva na defesa de suas posições, seja na economia, seja na política. Mas, Conceição não deve ser julgada pelo seu temperamento e sim por sua contribuição à ciência econômica. 


Nascida em Portugal no distante ano de 1930, Conceição se formou em Matemática pela Universidade de Lisboa antes de vir para o Brasil, em 1954.  Formou-se em economia em 1960, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), até então o curso de economia era um terreno pouco explorado por mulheres (hoje, arrisco a dizer, é o contrário). Em seguida, foi trabalhar na Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), no Chile.  

De volta ao Brasil, a partir de 1968, começa a publicar artigos sobre o desenvolvimento econômico baseados em estudos da Cepal, influenciada sobretudo pelas teorias do economista argentino Raul Prebisch. Apesar de manter a vida toda uma boa amizade com Celso Furtado (que também fez parte da Cepal), Conceição discordava dele no que se refere à tendência dos países latino-americanos – e particularmente o Brasil - à estagnação econômica. Num artigo escrito à duas mãos com José Serra, conclui que o “modelo brasileiro de crescimento” levaria, não à estagnação e sim à concentração da renda.  


A esse modelo, Conceição Tavares chamou de “Substituição de importações” e seria comum a todos os países de “industrialização retardatária”, onde o avanço tecnológico conduziria a diversas fases de substituição, sendo primeiro substituídos os bens de baixa tecnologia e depois os de tecnologia mais avançada. O modelo de capitalismo brasileiro alterna ciclos de expansão e de recessão devido ao superdimensionamento do capital, que gera excesso de capital em alguns setores industriais e falta em outros. A inflação possui uma função contraditória: ao mesmo tempo que amplia a etapa expansiva, provoca uma etapa recessiva saneadora.  

 

 Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, cercou-se de um grupo de economistas que, posteriormente, iriam exercer influência em diferentes níveis de poder, em Brasília. Em plena ditadura, ela liderava uma ala de economistas de visão heterodoxa, cujos principais nomes são João Manuel C. de Mello, Luciano Coutinho, Luiz G. Beluzzo, José Serra, dentre outros. Era a eles que Conceição se referia na reunião de lançamento do Plano Cruzado.  Fez concurso de Livre Docência na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde lecionou, orientou e ajudou a formar mais uma geração de economistas, até a aposentadoria. Com o peso da idade, deixou a docência e participou menos do debate da política e da economia.


Conceição não era sectária. Isso lhe permitiu ser respeitada tanto por economistas de esquerda quanto de direita. Foi professora assistente de Octávio Gouveia de Bulhões na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que foi ministro da Fazenda do primeiro governo após o golpe militar (1964). Mantinha também boa relação com o ex-ministro da Fazenda do governo Ernesto Geisel, Mário Henrique Simonsen. Essa amizade se revelou muito útil quando foi presa, sem motivo, em 1974. Foi Simonsen que telefonou diretamente ao presidente e conseguiu uma “ordem de soltura” da economista.

 

Sempre achei um desperdício grandes economistas se envolverem com política partidária e costumo citar o exemplo de Conceição Tavares. Primeiro, como economista do MDB, partido supostamente de oposição à ARENA, partido do governo. Foi fiel a Ulysses Guimarães até perceber que ele não teria chance nas eleições. Depois, quando entrou para o PT e elegeu-se, em 1995, como deputada federal pelo estado do Rio de Janeiro. Não teve um mandato com grande destaque na Câmara Federal. Seguindo orientação do partido, também foi contra o Plano Real. Um erro que o PT pagaria caro, já que o Plano foi um sucesso e ancorou a própria reeleição de FHC. 


Maria da Conceição Tavares foi a portuguesa mais brasileira que não tive oportunidade de conhecer pessoalmente. Geralmente, seu nome constava da programação dos Congressos de Economia, mas nunca consegui cruzar com ela: ou porque os organizadores colocavam o seu nome só para atrair público; ou porque ela não aparecia mesmo. Não escrevia muito (como Celso Furtado, por exemplo), mas o que escreveu é leitura obrigatória para todo economista. Além de tudo - quando nem se falava em "empoderamento feminino", Conceição já se destacava num ambiente predominantemente masculino.



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8 de janeiro

1 commentaire

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Sandra Margarida Fioravante
Sandra Margarida Fioravante
14 juin 2024
Noté 5 étoiles sur 5.

Excelente artigo! A leitura desse artigo é envolvente e reflexivo. Sem dúvida Conceição Tavares foi uma mulher além do seu tempo!!

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