Meta de inflação e juros
Depois de ficar “hibernando” por um longo tempo, eis que o assunto “economia” volta à ordem do dia. Não que esse tema não tivesse importância, mas porque a política não deixou espaço para discutir mais nada. Com o país dividido, antes e depois das eleições presidenciais, muitas vezes, a lógica foi deixada de lado. E a economia é uma ciência essencialmente dedutiva, portanto, não pode prescindir da lógica. Já citei muitas vezes a frase de uma economista inglesa, para quem a economia é um “hábito de pensamento que só nos damos conta de sua importância quando começamos a discutir com alguém que não o possui”. A frase até pode parecer arrogante, mas é verdadeira. Bastou Lula questionar os juros altos, culpando o Banco Central, para que a discussão tomasse corpo. Nessa hora, todo mundo parece ter uma "receita pronta", como se fosse fácil resolver o problema.
Longe de mim, ser o dono da palavra. Mas fico desconfortável em ver conceitos complexos em economia, tratados de forma descuidada pela grande mídia especializada. Francamente, passar a ideia de que o Banco Central elevou os juros porque o seu presidente (Roberto Campos Neto) é bolsonarista, homônimo de seu avô (Roberto Campos, famoso economista de "direita") ou, simplesmente, que é possível baixar a inflação apenas mudando o sistema de metas de inflação, são exemplos dessa incapacidade de comunicação a que se referia a economista inglesa. Lula não deveria entrar nesse pântano perigoso (da economia), onde a maioria dos debatedores expõe o que deveria ser (opinião), porque a realidade é complexa e escapa à nossa capacidade de análise. Citando Shakespeare, "há mais coisas entre o céu e a terra do que pode imaginar nossa vã filosofia".
Dá para baixar os juros, ou questionar esse patamar? Claro que sim, mas não como se isso dependesse exclusivamente de um ato de vontade individual. Nesse ponto, acho que Lula equivocou-se ao “politizar” um debate que ainda não estava maduro “tecnicamente”. Afinal, não está claro ainda como será a política econômica do atual governo. Sem dúvida, uma Selic de 13,75% é alta, porque descontando a inflação anual (6%), dá uma taxa juros real de cerca de 8%. Porém, não se pode esquecer que, durante o governo Lula, a Selic foi até maior do que essa. Não há estudos que mostrem qual seria a taxa real de juros capaz de conter a inflação. Então, o BC atua conforme a tendência inflacionária. Se os preços tendem a subir, as Atas do Copom sinalizam para alta da Selic e vice-versa.
Mas, por outro lado, nunca houve uma oscilação da Selic tão forte, para baixo ou para cima, quanto à verificada no governo Bolsonaro. Em apenas um ano e meio, a Selic passou de 2% para 13,75% ao ano. Ao mesmo tempo, a inflação em doze meses chegou próxima a 11% e, hoje, beira os 6%. Ou seja, caiu pela metade. Olhando apenas a inflação, o presidente do BC está certo. A política monetária funcionou. Mas, se olhar apenas para a taxa de juros real (descontando a inflação), como faz Lula, ela está alta. Afinal, quando a Selic estava a 2% aa., a taxa real de juros era negativa. Só que o cenário econômico hoje é outro: a inflação é recorde nos países desenvolvidos e também os juros. A inflação nos EUA foi de 6,5% em 2022, enquanto a taxa de juros, definida pelo FED, está na faixa entre 4,5% - 4,75%, a mais alta há décadas.
Outro tema abordado, de forma precipitada por Lula, refere-se a “meta de inflação”. Se aumentar a meta, o governo poderá gastar mais nos programas sociais? Mas isso não colocará em risco o controle da inflação, com o provável crescimento da demanda? A meta de inflação para 2023 é de 3,25%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Ora, essa meta é irrealista. Analistas de mercado preveem, pelo menos, o dobro dessa taxa. Então Lula está certo em propor aumento da meta. Não necessariamente. O BC argumenta que o mercado poderá interpretar erroneamente essa intenção como leniência da autoridade monetária com a inflação. No fundo, estão por trás dessa discussão duas questões controversas: a eficácia do sistema de metas de inflação e a autonomia do BC. Não cabe, por falta de espaço, alongar essas questões.
Como se vê, tratando-se de economia, não existe resposta fácil. Isso faz lembrar o diálogo narrado por um assessor de um ex-presidente norte-americano. Diante do curioso pedido deste último de ser apresentado a um economista de um braço só, o assessor perguntou-lhe a razão – “é que sempre que pergunto alguma coisa a um economista, ele responde ‘por um lado’ (balançando um braço) isso; mas, ‘por outro lado’ (balançando o outro braço) aquilo”. Um famoso economista disse, com ironia: “– imagine que dois economistas concordassem sobre alguma coisa e ambos estivessem errados. Certamente, seria muito pior”. Brincadeiras à parte, não ter certeza de nada, antes de ser uma fraqueza, é o ponto forte da economia. É o caminho para robustecer as análises.
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