Justiça tributária
O governo federal editou recentemente uma medida provisória (MP) que altera as regras para a taxação dos chamados fundos “exclusivos”. Os fundos exclusivos são aqueles em que, geralmente, há um único cotista ou que reúne membros de uma única família. Eles são personalizados e geridos por profissionais. Os fundos dos “super-ricos” são desenhados sob medida, dependendo do perfil de risco e dos objetivos de rendimento do investidor. Esses fundos são muito usados por famílias ricas em processos sucessórios. Para um milionário transmitir uma herança, por exemplo, basta doar cotas do fundo para os herdeiros ainda em vida, evitando os custos e burocracias do processo de inventário. Atualmente, esses fundos só são taxados pelo Imposto de Renda (IR) no momento do resgate.
A MP tem como objetivo compensar a correção da tabela do IR, incluída na MP que reajusta o salário mínimo, já sancionada pelo presidente Lula. A partir de agora, a isenção do imposto passa a valer para pessoas que ganham até dois salários mínimos (R$ 2.640,00 mensais). O texto também equipara as regras tributárias entre fundos exclusivos e abertos e institui a sistemática de tributação periódica, denominada de “come cotas” (cobrança de IR parcelado em duas vezes no ano). Nos fundos exclusivos, o Imposto de Renda era cobrado apenas no momento do resgate e de forma regressiva, o que significava que, quanto maior o tempo de aplicação, menor a tributação. Em resumo, o texto equipara as regras tributárias entre fundos exclusivos e abertos.
Haverá também recolhimento de IR no momento do resgate, se ocorrer antes da data de incidência da tributação periódica. Neste caso, uma alíquota complementar será aplicada para atingir as taxas já estabelecidas na legislação (de 15% a 22,5 dependendo do prazo da aplicação). Segundo o governo, a MP tem potencial de arrecadação da ordem de R$ 3,21 bilhões para 2023; de R$ 13,28 bilhões para 2024; de R$ 3,51 bilhões para 2025; e de R$ 3,86 bilhões para 2026. Os contribuintes que optarem por antecipar o pagamento do tributo poderão pagar uma alíquota menor (10%).
Paralelamente, o Ministério da Fazenda enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei (PL) para taxar os fundos internacionais (offshores), também com a expectativa de que a proposta possa gerar maior arrecadação. A ideia do governo é que, enquanto o PL está sendo analisado pelo Congresso, a MP já esteja valendo e compensando a isenção em 2023.
A taxação de investimentos no exterior, através de offshores, e o fim do JCP (Juros Sobre Capital Próprio), uma modalidade de distribuição de lucros que permite às empresas pagarem menos impostos, antecipam pontos da segunda etapa da reforma tributária, que deve mexer com os impostos sobre renda e patrimônio, como a taxação de dividendos e a criação de um Imposto sobre grandes fortunas e heranças.
Tanto a MP quanto o PL são frutos de um suposto acordo entre Lula/Haddad com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). Para trazer o “Centrão” para dentro do governo, o preço é alto. Vai faltar ministérios como moeda de troca. Alguns estão sendo “esvaziados” para a criação de outros, a liberação de Emendas corre solta, e até “Joias da Coroa”, como a CEF, são colocadas na mesa de negociação. A grande mídia está chamando isso de “reforma ministerial”, mas o nome certo é chantagem mesmo.
Antes que algum mal avisado venha chamar as novas regras tributárias de “Comunismo”, vale destacar que estamos falando aqui de apenas 2,5 mil brasileiros, que têm cerca de R$ 760 bilhões aplicados em fundos exclusivos – os quais exigem investimento mínimo de R$ 10 milhões – e cujo custo de manutenção anual pode chegar a R$ 150 mil, segundo dados do portal da BBC. Ao equiparar os fundos exclusivos aos fundos abertos, o governo está apenas corrigindo distorções e fazendo justiça tributária. Nada que qualquer país capitalista desenvolvido já não tenha feito antes.
Comments