Dia da consciência negra
O dia 20 de novembro de 2024 foi feriado nacional. Não foram poucos os que se perguntaram o motivo. A justificativa é que era em homenagem à consciência negra, explicação de pouca valia para quem nunca tinha ouvido falar em “consciência negra”. É verdade que a data já vinha sendo feriado em alguns estados da federação, mas este ano foi a primeira vez que o dia foi dedicado a uma reflexão sobre o tema em todo o território nacional.
A visão dos brasileiros sobre esse tema, não raro, beira à hipocrisia. É a imagem do país tropical, onde brancos e negros se misturam alegremente na beleza da paisagem. Em contraponto, há os que defendem a tese do “racismo estrutural”, ou seja, o preconceito contra os negros não seria percebido como tal pelas pessoas, no seu dia-a-dia. Daí o paradoxo da consciência: o racista, sinceramente, não se percebe como tal.
Recentemente, ocorreu um episódio de racismo num evento esportivo em que participavam estudantes do curso de Direito da PUC-SP e da USP, em que os alunos da universidade privada gritavam “cotistas” e “pobres” para os alunos da universidade pública. Identificadas pelas câmeras do ginásio esportivo, duas alunas da PUC-SP perderam seus empregos nos escritórios de Direito onde faziam estágio. Possivelmente, depois do vexame por que passaram e da condenação pública, devem estar arrependidas. Mas, acima de tudo, parece que elas não percebiam que suas atitudes eram condenáveis, como se fossem normais. Mais chocante ainda por serem estudantes de Direito. Tremo só de pensar nos seus critérios de julgamento, se tiverem, um dia, de julgar uma causa que envolva pretos e pobres.
Embora as chamadas “políticas afirmativas” do Ministério da Educação tenham beneficiado os estudantes negros e pobres, de fato ainda resta um longo caminho a percorrer. Programas de cotas nas universidades para alunos negros, financiamento e bolsas para alunos pobres, pouco a pouco, vão mudando a paisagem das salas de aula. Aliás, essa mudança não é só de raça, mas também de gênero. Hoje, por exemplo, existem mais mulheres do que homens estudando Economia, só para ficar na minha área.
O fato de a maioria dos negros serem pobres não deveria surpreender ninguém. Imagine uma linha do tempo que cubra todo o século XIX. O Brasil (e Portugal, por tabela) dependia quase exclusivamente do braço de trabalho escravo. Todas as datas importantes desse século, desde a vinda da família real (1808), a Independência (1822), a República (1889) tiveram relação com a escravidão. Não é demais lembrar que o Brasil, além de ter sido, possivelmente o maior país escravocrata da sua época, foi também o último país das Américas a abolir a escravidão (1888). Na verdade, o modelo de economia escravista já vinha agonizando, ao longo da segunda metade desse século. Esse processo foi acelerado pela Guerra do Paraguai (1864-1870) que esvaziou os cofres do Império.
A transferência de capitais do nordeste (economia açucareira) e do ciclo do ouro (final do século XVIII) para o centro-sul (ciclo do café) provocou uma transferência de mão-de-obra escrava para essas regiões, barateando o preço do escravo – principal ativo dos fazendeiros produtores de café. No Nordeste, a queda de preços do escravo foi maior ainda, o que explica a predominância de movimentos abolicionistas nessa região. No centro-sul, a reação dos grandes produtores de café contra a libertação dos escravos levou à destituição do Imperador Pedro II e à proclamação da República através de um golpe militar.
Comments