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Delfim Netto, herói ou vilão?

  • Foto do escritor: José Maria Dias Pereira
    José Maria Dias Pereira
  • 21 de ago. de 2024
  • 3 min de leitura

Faleceu, no último dia 12 do corrente mês, o economista e ex-ministro da Fazenda da ditadura militar, Antônio Delfim Netto. Por capricho do destino, ele morreu na véspera do “dia do economista”. Figura controvertida: para a direita, foi o herói que criou o chamado “Milagre Econômico”; para esquerda, foi conivente com a tortura e votou a favor do Ato Institucional nº5 que “endureceu” a ditadura. 

 

A escalada de Delfim até tornar-se “Czar da Economia”, como era chamado pela imprensa simpática ao governo, foi rápida. Começou como Office Boy numa empresa de creme dental, estudou na Universidade de São Paulo (USP), onde concluiu seu doutorado com uma tese sobre o café, instituição que também ingressou como professor. Daí em diante, foi “um pulo” até chegar ao Ministério da Fazenda. Tentou chegar ao governo do estado de São Paulo, ainda durante a ditadura pelo partido oficial (Arena), mas foi vetado por Ernesto Geisel que não gostava dele. Acabou sendo recompensado com a Embaixada em Paris, onde adquiriu muitos livros que iriam fazer parte do acervo que, alguns anos antes de sua morte, iria doar para a universidade. 

 

O “Milagre Econômico”, sem dúvida, foi um período de grande prosperidade econômica, com o Produto Interno Bruto (PIB), nos anos do auge (1970-1973), crescendo cerca de 10% e o setor industrial, em média, 14%. Números extraordinários em comparação com as taxas de crescimento verificadas desde os anos 1980 para cá. Mas como foi que Delfim tirou “esse coelho da cartola”? Acontece que o capitalismo vivia uma fase de expansão em escala mundial, alavancado pelo baixo preço do petróleo. Internamente, o amadurecimento de grandes projetos de investimento do governo militar começava a dar frutos.  

 

Nesse círculo virtuoso do investimento, o emprego aumentava e a renda crescia. O multiplicador dos gastos do governo era maior do que 1, ou seja, cada real investido gerava uma receita maior que o gasto. O salário médio também cresceu, porém, o mesmo não acontecia com os salários mais baixos, que eram corrigidos abaixo da inflação. Em 1973, a inflação oficial foi de 15%, porém, a inflação verdadeira teria sido de 24%. Esse descompasso colocou Delfim na “linha de tiro” dos sindicatos e seria uma mancha na sua reputação que nunca o abandonaria. Como resultado, aumentava a concentração da renda em mãos das classes mais favorecidas.  

 

A essa altura, cabe destacar algo intrínseco da personalidade de Delfim Netto: a rapidez do pensamento. Sempre tinha uma resposta preparada para “desarmar” o interlocutor. Quando alguém lhe perguntava sobre concentração de renda, por exemplo, usava a famosa metáfora do bolo que qualquer confeiteira entende: é preciso, primeiro, deixar o bolo crescer para depois distribuir.  


Acho que Delfim aproveitava a notória simpatia da sociedade pelos “gordos” como uma faca afiada para o debate. E, devo admitir, raras vezes ia para “as cordas”. Em outras, ganhava por nocaute. Mesmo adversários respeitavam a inteligência do “gordo. Por exemplo, a economista de esquerda Maria da Conceição Tavares, infelizmente, também falecida recentemente aos 93 anos de idade, costumava referir-se a ele como o “Doutor Delfim”. Aliás, bons tempos aqueles em que as pessoas costumavam respeitar as opiniões contrárias. 

 

Quando o “Milagre Econômico” acabou – uma parte explicável pela alta do preço do petróleo e, outra, pelo aumento da inflação nacional – os militares foram embora e a democracia ressurgiu. Mas Delfim não foi pego de surpresa: elegeu-se por vários mandatos como deputado federal por um partido de direita (PP).  

 

Enquanto viveu, Delfim não parou nunca de surpreender. Quem adivinharia que ele iria se tornar conselheiro de Lula e de Dilma, nos governos do PT? Inclusive teve uma coluna numa revista semanal de tendência à esquerda. Nunca foi um monetarista ortodoxo, como costumam ser os economistas de direita (seguidores de Milton Friedman). Tampouco seguiu as recomendações do FMI para a economia brasileira (deixou de cumprir várias "Cartas de Intenção"). Acho que, no caso de Delfim, se aplica a resposta dada por Keynes (célebre economista britânico) a alguém que o acusava de mudar de opinião, a cada instante: "se as circunstâncias mudam, eu mudo de opinião; o Sr. não?"

 

 

 
 
 

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