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Crônica de um golpe anunciado

Foto do escritor: José Maria Dias PereiraJosé Maria Dias Pereira

Em 18 de Julho de 1936 em Espanha, um grupo de militares liderados pelos generais Emilio Mola (1887-1937) e Francisco Franco (1892-1975) realizaram um golpe de Estado contra a República espanhola. O escritor e filósofo Miguel de Unamuno (1864-1936), numa primeira instância, apoiou publicamente esta revolta militar, que prometia trazer ordem ao país e acabar com a instabilidade dos governos republicanos. Isso fez com que fosse despedido da sua função de reitor da Universidade de Salamanca. Após o “generalíssimo” Franco tomar o poder, Unamuno reassume a função de reitor. Porém, as consequências terríveis da repressão do regime militar, com alguns dos seus correligionários e amigos presos ou mortos, fazem com que Unamuno, apesar de sua teimosia, pouco a pouco, vá percebendo o equívoco e, a partir daí, adotará uma posição ambígua, que o levará à perda da cátedra, apesar da proteção da mulher do ditador, e ao ostracismo até sua morte, cerca de dois anos depois.


Basicamente, esta é a sinopse do filme Enquanto a guerra durar (exibido pelo canal HBO), do diretor espanhol Alejandro Amenábar, que ficou conhecido por ter ganho o Óscar de melhor filme estrangeiro, com Mar Adentro, cujo personagem principal é um paraplégico vivido na tela pelo ator espanhol Javier Bardem. A moral da história é mostrar que a defesa da democracia deve ser um valor inegociável e que qualquer vacilo, como aconteceu com o personagem principal deste filme (Unamuno), pode ajudar à implantação de regimes autocráticos de longa duração – como foi o de Franco, que permaneceu no poder por quase 40 anos.


Quando Bolsonaro se candidatou à presidência, pouca gente o levou à sério. A imagem dele era de pouco trabalho (em 27 anos como deputado federal, teve apenas dois projetos aprovados pela Câmara) e muita polêmica, como a discussão com a deputada petista Maria do Rosário, ao dizer que ela “não merecia nem ser estuprada” (processo em que foi condenado a pagar multa). Antes de ser deputado, quase foi expulso do exército por revelar (à revista Veja) um plano para colocar bombas nos quartéis, em protesto pelos baixos soldos. Foi nesse nicho (militares) que Bolsonaro achou eleitores fiéis, que o reelegeram legislatura após legislatura.


Ao contar suas memórias para o jornalista Elio Gaspari, autor de “o sacerdote e o feiticeiro” (série de 5 volumes sobre a ditadura militar), o general Ernesto Geisel dizia que, no Brasil, não havia lugar para extremismos. Depois se corrigiu: “tem o Bolsonaro, mas ele não deve ser levado a sério, inclusive por ser um mau militar”. Infelizmente, Geisel estava errado. Bolsonaro foi subestimado e chegou à presidência da República. E, desde que assumiu, se transformou na maior ameaça à democracia brasileira. Não devemos subestimá-lo novamente.


Depois de premiar os militares, da reserva e da ativa, com milhares de cargos de confiança junto aos ministérios, Bolsonaro planeja um “autogolpe”, onde os militares interviriam para garantir a lei e a ordem. Você pode até achar que isso é pura “teoria da conspiração”, mas essa hipótese foi levantada numa entrevista pelo general Mourão (vice-presidente). Preocupa, sobretudo, a má influência de Bolsonaro junto ao Alto Comando militar, notadamente junto ao ministro da Defesa (general Paulo Sérgio Nogueira), que tem sido o seu principal “porta-voz” na crítica às urnas eletrônicas. O ministro, faltando pouco mais de dois meses para as eleições, lança dúvidas sobre a segurança das urnas eletrônicas – usadas há mais de 20 anos e que são “um exemplo para o mundo”, conforme nota do Departamento de Estado norte-americano.



Inconformado pelo TSE não aceitar, na íntegra, as sugestões dos técnicos militares, o general acusou o TSE, em audiência no Senado, de diminuir a importância das Forças Armadas (FA). A declaração soou, no atual cenário político, como ameaça. Ora, antes de tudo, é preciso colocar cada coisa em seu lugar: 1º) os militares estão se afastando de suas funções constitucionais; 2º) os técnicos do TSE são os responsáveis legalmente pelas eleições; 3 º) diante das acusações infundadas de Bolsonaro, e até como forma de diluir a tensão com o governo, o TSE criou uma comissão de transparência, com a representação de técnicos de várias instituições para testar a segurança do sistema. Não cabe, portanto, às FA assumir um papel de protagonismo nas eleições.


Causa estranheza por quê só nestas próximas eleições existam tantas preocupações dos militares com fraude (nunca comprovada) das urnas eletrônicas? Se isso ocorresse, quem garante que a eleição de Bolsonaro (e todos os eleitos) não teria sido fraudada? Mesmo com a emenda da votação em papel derrotada no Congresso, o ministro da Defesa agora propõe votação eletrônica e de papel para auditar as urnas. Fala pelas FA ou por Bolsonaro? Para evitar o envolvimento das FA com política, em democracias sólidas, o ministro da Defesa sempre é um civil.


Centenas de entidades sociais e ativistas já trabalham abertamente com a quase certeza de que o presidente Bolsonaro executará um plano golpista para questionar os resultados das urnas eletrônicas, caso não seja reeleito. Algo semelhante ao que aconteceu nos Estados Unidos, onde a invasão do Capitólio (incentivada por Trump) deixou o saldo de cinco mortos e centenas de feridos. Aliás, a reunião de Bolsonaro com os embaixadores pode ser entendida como um aviso às nações estrangeiras de suas intenções golpistas. Diante de todos os sinais, não podemos ser coniventes – como o personagem do filme – com aqueles que ameaçam a democracia.

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8 de janeiro

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