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Arcabouço

Foto do escritor: José Maria Dias PereiraJosé Maria Dias Pereira

Não sei porque os experts da imprensa falada, escrita e televisionada – somados àqueles que têm milhões de seguidores nas redes sociais – têm muita pressa de chegar na frente da informação, mas, com poucas exceções, se descuidam da análise crítica e, para não correr riscos, simplesmente repetem o que lhes é repassado pelas assessorias de imprensa ou então usam um sujeito oculto como intermediário. Por exemplo, é comum ouvir-se a expressão “segundo os economistas”, livrando o jornalista de ter que expressar a opinião própria.


Antes mesmo da posse de Lula, já começaram os boatos de que o novo governo iria tentar acabar com o “teto de gastos” – regra constitucional que determina que os gastos primários do governo não podem crescer mais do que a inflação. Ora, esse limite já foi ultrapassado várias vezes, em especial no período da pandemia, com a aprovação do “orçamento de guerra”, manobra parlamentar para burlar o teto de gastos. Para não ferir a regra constitucional novamente em 2023, o Congresso aprovou, em dezembro do ano passado, a chamada “Emenda de Transição”, que excluiu R$ 168 bilhões do teto de gastos para o governo poder cumprir com suas obrigações (exemplo, aumento do Bolsa Família). Em troca, o novo governo se comprometeu a apresentar, até agosto de 2023, um projeto de lei complementar em substituição ao teto de gastos.


Nesse sentido, com o objetivo de testar a viabilidade política da nova regra, o ministro da Fazenda distribuiu um esboço do documento aos jornalistas. O título era “O novo arcabouço fiscal”. Os jornalistas entraram em pânico: o que seria esse tal de “arcabouço”? O ministro usou várias vezes essa palavra, mas nem ele, nem o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social se preocuparam em explicar do que se tratava. Até Lula “embarcou na mesma canoa”. Alguns correram para o dicionário, mas a maioria se limitou a repetir a palavra. Chegaram à conclusão que o verbete devia fazer parte de uma língua que ninguém entende que os jornalistas (e não só eles!) chamam de “economês”. Assunto resolvido!


Quem se deu ao trabalho de ir no dicionário, na maioria das vezes, encontrou o significado da palavra como “uma estrutura de um esqueleto humano”, o que, para os mortais comuns, não fazia nenhum sentido. O motivo pelos quais os técnicos dos ministérios da Fazenda e do Planejamento usaram esse termo pouco comum na linguagem dos economistas é desconhecido. Existem palavras, oriundas da medicina e outras áreas, que são usadas em economia. Por exemplo, “circulação de mercadorias” é uma expressão usada em economia por analogia à circulação do sangue no corpo humano. Isso é tão antigo, desde que a expressão foi usada lá atrás por um médico da corte francesa de Luís XV chamado Francois Quesnay (1695-1774), líder da corrente de economistas conhecida como fisiocratas.


Pelo que é conhecido do novo projeto fiscal, as regras serão mais complexas do que a simplicidade do teto de gastos. Mais um motivo para melhorar a comunicação do governo com a sociedade que, no final, irá pagar a conta. “As novas regras para o equilíbrio fiscal” seria algo que, pelo menos, o título seria entendido por todos. Vai aí a minha sugestão para facilitar as coisas.


A novidade que vem sendo cozinhada pelo Planalto, em “fogo brando”. Combina regras para o resultado primário do governo (diferença entre receita e despesa, descontados os juros da dívida pública interna) e de controle dos gastos públicos. As despesas do governo poderão crescer entre 0,6% e 2,5% acima da receita do ano anterior em valores reais. Nesse intervalo, os gastos poderão crescer até 70% da variação da receita do ano anterior. Essa é a parte principal da proposta que vem sendo divulgada pela imprensa. Muita coisa pode mudar ainda, pois sua aprovação no Congresso exige maioria de 2/3, pois implica em mudança na Constituição.


Meu neto, de dois anos e quatro meses, já está construindo frases para se comunicar melhor. Ele é um colecionador de palavras. Quando alguém fala “geringonça”, por exemplo, ele acha estranho e solta o rizo. Acho que é porque não consegue associar a palavra a algo concreto. Fico pensando como ele reagiria diante da palavra “arcabouço”.


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8 de janeiro

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