A IA e o jornalismo
- José Maria Dias Pereira
- 2 de abr.
- 3 min de leitura
Atualizado: 3 de abr.
Hoje em dia, é cada vez mais comum o uso de aplicativos de inteligência artificial (IA) que substituem a criatividade do trabalho humano. Isso é feito, imagino, por uma questão de tempo e custos menores. A discussão avança para chegar na questão do domínio do homem pela máquina e suas consequências. Isso não é de agora. Na ficção científica “2001, uma Odisseia no Espaço” (1968), de Stanley Kubrick, astronautas são enviados para o Espaço numa missão misteriosa e, num determinado momento, o computador da nave espacial começa a ter um comportamento estranho, não obedecendo ao comando humano. É a esse ponto que os críticos da IA temem chegar um dia, ou seja, do homem tornar-se um "apêndice da máquina", como escreveu Karl Marx a respeito da Revolução Industrial, no século XIX.
Nos últimos anos, todos os meios de divulgação do conhecimento vêm sendo afetados pelo uso da IA. Vamos nos concentrar em apenas um deles: o jornal. Antes da internet e das redes sociais, o jornal impresso tinha um padrão, tanto no que diz respeito à forma quanto ao conteúdo. Dividido em cadernos, o jornal impresso tinha páginas grandes, que era preciso dobrar para ler, porém isso permitia aprofundar o conteúdo. A maioria dos jornalistas não era formado em faculdades e sim intelectuais e escritores conhecidos. Textos de Paulo Francis, Arnaldo Jabor, Nelson Rodrigues, Mário Quintana, Carlos Heitor Cony, entre outros, eram os meus preferidos.
Com a internet, num primeiro momento, os jornais impressos ganharam tamanhos menores, mais práticos para ler, cores e textos mais curtos. O perfil do jornalista também mudou. As redações ganharam jornalistas contratados pela legislação trabalhista, e formados em faculdades de jornalismo que antes sequer existiam. Houve até mesmo um debate entre sindicatos de classe e empresas jornalísticas sobre a exigência de diploma da escrever em jornal. Mas esse é outro assunto.
Qual o limite da IA do jornal? Um experimento radical, feito por um pequeno jornal italiano, dá uma ideia do que vem pela frente. O jornal usou inteligência artificial para produzir sua mais nova edição e projetar o futuro do jornalismo. Inicialmente, o jornal passou a publicar um artigo por semana, escrito por IA, sem divulgar isso, e pediu aos leitores para adivinhar qual deles havia sido gerado por IA. Os acertadores ganhariam grátis uma assinatura do jornal e uma garrafa de champanhe. A maioria dos leitores acertou e ficou “entusiasmada” com o experimento. Os casos em que os leitores erraram convenceu o editor de que o texto de seus jornalistas era comum demais, com pouca criatividade.
Algum tempo depois, o editor resolveu lançar uma edição do jornal totalmente escrita por IA. O resultado foram artigos com erros factuais ou de digitação, textos monótonos e eventos que nunca aconteceram. Isso levou à conclusão de que usar IA sem barreiras traz muitos riscos, incluindo informações imprecisas ou sensacionalistas. Por outro lado, não dá para ignorar que a IA já vem sendo utilizada por muitas redações ao redor do mundo para automatizar tarefas monótonas, como entrevistas e comunicados à imprensa. Porém, “a ideia de criar conteúdo original a partir do zero, por IA, é realmente perigosa”, concluiu o editor do pequeno jornal italiano.
Resumindo essa discussão, que ainda irá render muito, um especialista em IA no jornalismo, da London School of Economics, disse que “não acredita que a experiência do pequeno jornal represente o futuro. Embora reconheça que mais trabalho será assistido por IA, essas iniciativas serão baseadas no olho editorial humano, com os jornalistas teoricamente liberados para fazer mais reportagens originais”. Acredito que ele esteja se referindo ao chamado “jornalismo investigativo”.
No final das contas, o próprio editor do jornal alvo da pesquisa entrou em campo para “apagar o incêndio”. O experimento foi apenas uma questão colocada aos leitores e jornalistas, disse ele, e pergunta: “o que resta do jornalismo se removermos o nome do autor. O que um jornal se torna se for inteiramente o produto de uma máquina de linguagem treinada? Uma coisa é certa: o artigo que estou terminando de escrever seria descartável. Aliás, todos os colunistas seriam descartáveis, inclusive eu.
Commentaires