A criminalização das pesquisas eleitorais
É conhecida a metáfora da febre e do termômetro. Ao invés de tratar a doença, alguns preferem quebrar o termômetro. Algo semelhante acontece com as pesquisas eleitorais. Esquecendo-se de que essas pesquisas são um “prognóstico” e não um “diagnóstico”, alguns políticos jogam a culpa nas pesquisas pelo mau desemprenho nas urnas. Esse parece ser o caso do líder do governo na Câmara dos Deputados que anunciou que apresentará um projeto de lei que “criminaliza o erro nas pesquisas” (sic). Segundo ele, o projeto estabelecerá “punições severas” aos institutos de pesquisa cujos resultados da consulta de opinião ultrapassarem a margem de erro. O filho 02 do Presidente reúne assinaturas para uma CPI dos institutos de pesquisa. Ainda mais radical foi o ministro das Comunicações que ameaçou “fechar” o IPEC (que substituiu o IBOPE), caso o atual Presidente seja reeleito. O Datafolha não é menos atacado.
Será que dá para “criminalizar” esses institutos quando os resultados da eleição não coincidem com a pesquisa? Claro que não! Em primeiro lugar, porque toda pesquisa está sujeita a uma margem de erro e, nem por isso, ela deixa de ser “científica”. Isso ocorre, porque o mundo real é muito mais complexo do o que é captado nas pesquisas, que se baseia em uma determinada metodologia ou modelo de pesquisa. Isso explica porque os resultados do IPEC e do Datafolha não são comparáveis entre si. Em segundo lugar, pode-se comparar, com fins didáticos, uma pesquisa eleitoral com uma corrida de cavalos em que, na reta de chegada, é tirada uma foto para não haver dúvida do animal vencedor. Ou seja, se, no próximo páreo, se repetisse exatamente o mesmo desempenho do anterior, o resultado seria o mesmo.
Como isso é difícil de acontecer, a estatística usa sempre uma “margem de erro”, para cima ou para baixo, geralmente no intervalo entre 2% e 5%. Porém, esses percentuais são normalmente mais fáceis de ocorrer em eventos não humanos. Indivíduos podem mudar de opinião a qualquer momento, inclusive contrariando a própria lógica, o que torna impossível prever, com certeza, o seu comportamento futuro. Por essa razão, a ideia do projeto de lei do líder do governo é um atestado de sua ignorância em relação à estatística. Porém, ultimamente, parece não haver limites para absurdos desse tipo. Tome-se como exemplo a tentativa de determinado partido de proibir, através de ação judicial, o passe livre em ônibus nas eleições do último domingo. Óbvio que o juiz negou e classificou a ação outro absurdo.
Os erros dos institutos de pesquisa representam crime? Sim, se causados por uma ação criminosa com objetivo claro de influenciar o eleitor, em benefício deste ou daquele partido. Mas esse não é o caso de institutos sérios como o IPEC e o Datafolha, cuja metodologia é registrada em órgão competente e a amostra e os dias em que foi realizada a pesquisa são igualmente publicados. Se houvesse qualquer desconfiança nesse sentido, as pesquisas não seriam encomendadas pela grande mídia e o próprio instituto seria desmoralizado.
Em relação ao resultado do 1º turno das eleições, pode-se dizer que as pesquisas acertaram, dentro da margem de erro, no atacado e erraram, no varejo. Até um dia antes, há meses, havia uma estabilidade nas principais pesquisas que apontavam que mais de 80% dos eleitores não mudariam o voto. Coisa nunca vista anteriormente, mas explicável pela atual polarização política. Acontece que, na hora do voto, muitos eleitores mudaram de opinião. Não há como prever isso. Mas ainda assim houve acerto no caso das eleições presidenciais, onde Lula venceu com 48,43% dos votos válidos, ou seja, excluindo brancos e nulos. Os institutos previam vitória do petista com 50% dos votos. Mas houve diferenças, fora da margem de erro, na eleição para os governos dos estados de SP e RS. Em ambos, ocorreu inversão do 1º lugar, sendo que no RS, a decisão de quem ia para o 2º turno foi decidida, com indefinição até a apuração total dos votos, por uma diferença de apenas 2.400 votos entre o 2º e o 3º colocados. Na eleição para o Senado gaúcho, possivelmente, o erro foi causado por uma decisão de última hora dos eleitores que, entre dois candidatos de direita, “descarregaram” os votos naquele com mais chance de vencer. Com isso, o líder nas pesquisas ficou fora.
Cabe aos cientistas políticos e formadores de opinião especularem sobre o erro das previsões do 1º turno. Porém, é fato que a própria mídia e o comando das campanhas continuarão a orientar-se pelas pesquisas eleitorais. O principal prejudicado pelo absurdo projeto de lei do líder do governo será o próprio eleitor que, ao contrário da mídia e dos partidos, terá menos informações para decidir o voto.
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